“Olho por Olho” (2)
Este é o segundo sermão de John MacArthur sobre o tema “olho por olho e dente por dente” (veja links abaixo).
1. INTRODUÇÃO
O Sermão da Montanha, pregado por nosso Senhor Jesus Cristo, foi pregado para mostrar aos homens que eles estão aquém do padrão para entrarem no Reino de Deus. É um sermão dirigido principalmente ao público judaico na encosta da colina, mais especificamente para os escribas e fariseus, porque eles haviam inventado uma religião humana, baseada na realização humana, esforço próprio e obras mortas. Eles acreditavam que a guarda dos baixos padrões, que eles mesmos tinham planejado, os fazia aceitáveis a Deus.
Quando Jesus confrontou a sociedade daquela época, Ele confrontou a religião de Israel, derrubou as estruturas que faziam aquelas pessoas tão confiantes em si mesmas e mostrou-lhes quanto precisavam de um salvador. Jesus, no Sermão da Montanha, basicamente mostra a diferença entre a falsa e a verdadeira religião, entre a verdade divina e a sabedoria humana, entre uma religião da realização humana e a religião da realização divina. Jesus, então, está destruindo a confiança daquele povo em seu judaísmo e reafirmando o padrão de Deus.
As bem-aventuranças são uma demonstração muito óbvia disso. Falam de humildade, mansidão, luto pelo pecado, misericórdia, fome e sede de justiça e espírito pacificador. O sermão começa mostrando um sentimento irresistível de inadequação do pecador, o conhecimento de que você não tem os recursos para atingir o padrão de Deus. Ele escancara a disparidade entre o padrão de Deus e o sistema de religião existente em Israel naquela época.
A religião estava cheia de pessoas presunçosas, autossuficientes, orgulhosas, centradas no ego e confiantes de que Deus as pegaria nos braços e as colocaria no Reino. Elas não tinham convicção alguma de que eram pecadores precisando de arrependimento. Não tinham tristeza por seus pecados. Então, Jesus começa atacando a estrutura corrompida em seus próprios corações.
Em Mateus 5: 21-48, Jesus compara o sistema religioso dos escribas e fariseus com a verdade de Deus. Ele usa um pequeno código: “Ouviste o que foi dito… Eu porém vos digo”. Jesus, então, desmonta a interpretação rabínica do Antigo Testamento e mostra o que de fato Deus quis falar em todo o Antigo Testamento. Ele mostrou que o assassinato, divórcio, adultério sempre foram algo muito mais além do que a interpretação rabínica dizia. Jesus também mostrou sobre o dizer a pura verdade em lugar de juramentos. Falou em amar o inimigo ao invés de desprezá-lo, e que se amarmos apenas a quem nos ama, somos apenas iguais a qualquer outro homem.
Jesus estava falando de atitudes internas e não de obras externas. Basicamente, o Sermão da Montanha é um sermão sobre o pecado. É para nos mostrar que somos pecadores. Ele nos coloca em posição de humildade, pois sabemos que nossas inclinações naturais não correspondem ao que Jesus ensinou neste sermão.
O que Jesus está tentando fazer é destruir a confiança deles em si mesmos e forçá-los ao reconhecimento de que eles precisam desesperadamente de uma justiça que não podem alcançar, portanto, precisam de um Salvador. Jesus não poderia falar sobre um Salvador antes de desmontar aquele sistema religioso e deixar aquelas pessoas desesperadas, famintas, sedentas por uma justiça que elas mesmas não podem alcançar.
Desde a última vez estamos estudando a quinta ilustração de Jesus. Basicamente, estamos em Mateus 5:38-42, que diz:
38 Ouvistes que foi dito: Olho por olho, dente por dente.
39 Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra;
40 e, ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa.
41 Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas.
42 Dá a quem te pede e não voltes as costas ao que deseja que lhe emprestes.
Na primeira leitura, parece que Jesus quer nos transformar em capacho para os outros pisarem. Você poderia pensar: “Ele só pode estar brincando! Virar a outra face? Se ele tomar minha camisa, tenho que lhe dar meu casaco? Se ele quer que eu ande uma milha, tenho que ir duas? Tenho que dar ou emprestar a todos? Eu tenho meus direitos!”.
Somos naturalmente inclinados à retaliação, mesmo em pequenas e insignificantes coisas da vida. Nenhum sistema de religião humana pode lidar com o real problema do coração humano. O homem precisa de um Salvador, uma justiça além da humana. É o que Jesus está dizendo, e esse é o assunto principal aqui.
Em Atos 22, Paulo foi feito prisioneiro e está sendo mantido pelos romanos em Jerusalém, mas os romanos não têm ideia do motivo. Tudo o que eles sabem é que os judeus queriam que ele fosse mantido preso. É claro que os judeus estão muito zangados com Paulo por causa de sua mensagem sobre Cristo. É uma coisa muito desconcertante ter alguém indo por toda a sua cidade pregando que a pessoa que você crucificou não é outra senão o seu Messias, e que há um novo dia, e o alvorecer de uma nova era, a era da igreja.
Então, eles estão furiosos com Paulo. Mas o centurião ao tomar conhecimento de que Paulo tinha a cidadania romana, atemorizou-se, pois nem sequer havia uma acusação formal contra ele, e não se podia manter um prisioneiro sem acusação formal. Então, ele procura encontrar algum tipo de acusação contra Paulo para justificar seu encarceramento. Em Atos 22:30 é dito que ele o levou perante seus acusadores (os sacerdotes e todo o conselho).
Em Atos 23:1 é dito que Paulo olhou seriamente para o Conselho, ou seja, olhou nos olhos deles. Era um grupo familiar para Paulo, porque este é o Sinédrio do qual, ao mesmo tempo, ele havia sido um membro. Não há dúvidas em minha mente de que Paulo conhecia aquelas pessoas. Alguns deles tinham sido seus colegas seguidores de Gamaliel, companheiros fariseus e perseguidores da igreja.
E olhando nos olhos deles, Paulo diz: “Homens irmãos, até ao dia de hoje tenho andado diante de Deus com toda a boa consciência”. Ou seja: “Eu posso olhar nos seus olhos e dizer que não há nenhuma acusação que possa ser justamente colocada em minha conta. Eu sou inocente”.
Isso enfureceu Ananias, que era o sumo sacerdote. Ananias era um indivíduo miserável e vil. Ele roubava dízimos, cometia imoralidades, assassinatos de pessoas que lhe incomodavam. Em Atos 23:2 é dito que “o sumo sacerdote, Ananias, mandou aos que estavam junto dele que o ferissem na boca”. No idioma original, o sentido é de que Ananias mandou que fosse dado um soco violento na boca de Paulo. Você vê, um homem vil e miserável como Ananias, comandando um sistema maligno, pondo-se a violar os direito de Paulo, que era totalmente inocente.
Qual foi a reação de Paulo? Em Atos 23:3, Paulo diz: “Deus te ferirá, parede branqueada; tu estás aqui assentado para julgar-me conforme a lei, e contra a lei me mandas ferir?”. “Deus te ferirá”, seria como dizer “Deus condenará (ou amaldiçoará)”. Uma parede branca era simplesmente uma representação da hipocrisia. Uma parede era uma grande pilha de lama, só isso; apenas alguns tijolos e lama. Para fazer com que ela tivesse uma boa aparência, eles a cobriam com cal. Quando você chama alguém de uma parede branca (sepulcros caiados), como Jesus fez em Mateus 23, quando Ele falou a mesma coisa, isso quer dizer: “Você parece formoso por fora, mas por dentro, você está imundo”.
E em Atos 23:4 os demais ali presentes questionaram Paulo: “Você insulta o sumo sacerdote de Deus?”. Eles não ficaram perplexos pelo soco que deram na face de Paulo. E você sabe o que a tradição dos rabinos dizia? “Aquele que golpeia a face de um israelita golpeia, por assim dizer, a glória de Deus. Ele ataca o Santo”.
Bem, Paulo respondeu dizendo isto: “Eu não sabia, irmãos, que ele era o sumo sacerdote” (v.5). Talvez porque ele não estivesse em seu uniforme de sumo sacerdote, ou talvez ele estivesse escondido atrás de algo e Paulo não o tivesse visto na multidão que estava lá. E Paulo diz não se poder maldizer o príncipe do povo. Ele citou Êxodo 22:28. Então Paulo diz: “Eu estava errado”, e ele se condenou pelas Escrituras.
Que resposta! Você não acha? Paulo trouxe a Escritura para se condenar; ele se desculpou. O que é interessante para mim é que tudo o que ele disse era verdade. Esse cara era uma parede branca e Deus traria julgamento sobre ele. Neste dia, exceto pela graça de Deus, ele está no inferno eterno; Deus o feriu. Mas não é assim que devemos responder nos relacionamentos pessoais.
Compare com o que é dito em João 18: 22-23, onde o Senhor Jesus está em uma situação muito semelhante diante de um tribunal muito semelhante, perante Anás.
22 E, tendo dito isto, um dos servidores que ali estavam, deu uma bofetada em Jesus, dizendo: Assim respondes ao sumo sacerdote?
23 Respondeu-lhe Jesus: Se falei mal, dá testemunho do mal; e, se bem, por que me feres?
Aqui Jesus estava nos ensinando aquilo que Pedro testemunhou a seu respeito: “O qual, quando o injuriavam, não injuriava, e quando padecia não ameaçava, mas entregava-se àquele que julga justamente” (I Pedro 2:23). Que espírito diferente! E você e eu? Como reagimos a esses tipos de situações? Somos como Jesus? Nós dizemos: “Você deve pensar sobre essas coisas antes de fazê-las. Se eu as merecer, tudo bem. Se não, por que você fez isso?”. Ou nós atacamos de volta?
2. O PRINCÍPIO DA LEI MOSAICA (Clique aqui e leia o sermão sobre este assunto)
Da última vez, aprendemos que há três elementos nesses seis contrastes que Jesus dá. Primeiro de tudo, o princípio da lei mosaica é dado no versículo 38. “Vocês ouviram o que foi dito: ‘Olho por olho e dente por dente’.” Era o ensino tradicional deles, veio da lei mosaica; está registrado em Êxodo 21, Levítico 24, Deuteronômio 19. Essa afirmação é bíblica.
Três vezes no Antigo Testamento é repetido “Olho por olho e dente por dente”. Mas, tenha em mente que isso era uma estipulação para os tribunais, o sistema legal, não um mandato para a vingança pessoal nas relações humanas. É muito importante que entendamos isso. Deus projetou tribunais, juízes e governantes, Ele nos deu leis como essa lei, que na Antiguidade era chamada de Lei de Talião, que significa simplesmente punição proporcional ao crime. A punição nunca excede o crime, é o que a Lei de Talião está dizendo. É para controlar a justiça, para que a justiça seja justa e igual.
Essa lei simples, “Olho por olho e dente por dente”, é o princípio fundamental de toda justiça humana. Toda justiça humana é baseada no fato de que a punição nunca deve exceder o crime. É também uma lei dada por Deus para restringir a vingança, retirando-a das relações humanas e colocando-a na autoridade devidamente constituída para que a retribuição pelo ato danoso praticado seja justa.
As relações humanas e os tribunais são duas categorias distintas e existem duas operações distintas dentro de cada uma. Por exemplo, não queremos que os tribunais ajam como nas relações humanas. Não queremos que os relacionamentos humanos ajam como nos tribunais. Assim, se uma pessoa comete um crime, não queremos que o tribunal diga: Ah, sinto muito que você tenha feito isso, e eu quero ser gentil e misericordioso. Você está perdoado; esqueça. Apenas vá e lembre-se que se você fizer isso de novo, nós vamos perdoar você de novo. Se você fizer isso de novo, nós vamos perdoar você de novo, setenta vezes sete. Nós vamos continuar te perdoando…
Espere um minuto! Teríamos um holocausto absoluto se um tribunal agisse como em um relacionamento humano. Não estamos à procura de misericórdia em um tribunal, estamos procurando justiça para preservar a sociedade. Mas também não queremos que um relacionamento humano aja como em um tribunal. Se sua esposa, por exemplo, faz algo que ofende você, você não diz: “Curve-se; você me deu uma, agora você a recebe”. Não, não queremos Lei de Talião em casa. Se alguém errar com você, se seu vizinho pegar emprestado algo seu e quebrá-lo, você não se aproxima e diz: “Então, o que você quer que eu quebre?”.
Nós não operamos relacionamentos assim. Devemos manter uma distinção entre o tribunal de justiça e a área das relações humanas. Na corte de justiça, a justiça opera através de olho por olho, dente por dente. Nos relacionamentos humanos, o amor e o perdão operam. Em um deles, você está lidando com o crime e, no outro, você está lidando com um relacionamento humano. Deve haver essa distinção.
Os judeus erraram o alvo porque tiraram a Lei de Talião dos tribunais e a colocaram em seus relacionamentos pessoais. Então, eles operavam em seus relacionamentos com vinganças, reivindicações e retaliações. Não era isso que Deus pretendia.
3. A PERVERSÃO DA TRADIÇÃO JUDAICA
Vimos em nosso último estudo, em primeiro lugar, o princípio da Lei mosaica e depois a perversão da tradição judaica. Eles tinham tomado o conteúdo da Lei e o transformaram em um espírito de vingança, olho por olho e dente por dente: “Você não pode fazer isso comigo; você não pode pisar em meus direitos. Você não pode tirar meus direitos, ou eu vou reagir contra você!.” Essa era a mentalidade deles.
4. A ABORDAGEM DE JESUS
Vamos ver como Jesus aborda isso, no versículo 39, com uma nova instrução, um novo princípio: “Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso”. Esse verso foi tão mal interpretado. As pessoas pensam que é uma razão para o pacifismo absoluto, que deveríamos dizer: “Vá em frente, ande em cima de mim. Abuse-me, me bata, roube tudo o que eu tenho. Vá em frente, peque, não nos importamos. Não vamos resistir ao mal, só vamos perceber que o mal é o mal, e deixaremos que ele faça o que ele faz por natureza…”.
Não, isso não é o que Ele está dizendo. As pessoas que adotam essa abordagem realmente têm falta do ensino bíblico como um todo. A Bíblia ensina a resistir ao mal. Tiago 4:7 e I Pedro 5:9 ensinam a resistir ao diabo. Nós devemos resistir ao mal quando ele vem em uma forma satânica. Eu não digo: “Lá vem o diabo novamente… Ok… Tudo bem, Diabo, vá em frente…. Faça o que você estiver desejando fazer! Eu não vou resistir…”.
Quando Pedro pecou, em Gálatas 2, Paulo não disse: “Lá está Pedro, coitado. O pecado o fisgou…”. Paulo disse: “Pedro, você está fora da linha, pare com isso!”, e resistiu a ele frente a frente. Em 1 Coríntios 5, é dito que se você encontrar alguém em sua congregação que está cometendo fornicação, coloque-o para fora da comunhão da igreja. Em I Timóteo 5, se você encontrar um ancião que esteja pecando, repreenda-o diante de todos, para que todos saibam que ele é um pecador, e o exclua, se ele não se arrepender. Em Mateus 18, é dito que se alguém pecar, exorte-o sobre o seu pecado. Se ele não te ouvir, pegue duas ou três testemunhas; se ele não os ouvir, conte para a igreja. Se ele ainda não ouvir, tire-o da igreja.
Devemos lidar com o pecado pessoalmente, nos relacionamentos, na igreja e devemos resistir ao crime. Os poderes que são ordenados por Deus (Romanos 13) nos são dados para proteger o bem e punir o mal. Se não lidarmos adequadamente com o governo, se não respeitarmos os padrões do governo, estaremos negando uma instituição ordenada por Deus. Se eu vejo um crime, devo denunciá-lo à polícia. Se eu sei onde um criminoso está, devo dizer à polícia, não ajudar e estimular o crime dentro de uma sociedade, porque o governo e os agentes do governo são ministros de Deus que não carregam a espada em vão, mas servem ao Senhor.
Então, nós resistimos ao mal em um governo por nossas leis, em uma igreja pela nossa pureza, em um relacionamento confrontando pessoas. Temos que lembrar que Jesus resistiu ao mal. Em João 2, Ele fez um chicote e purificou o templo. Em Marcos 11, Ele fez de novo. Ele não se tornou apenas um capacho para todos pisarem. Eu também penso que existe um senso de autopreservação dado por Deus. Se alguém vem fazer algo contra mim, é muito normal eu me proteger e à minha família, meus interesses e pessoas que eu amo. Até Provérbios 22: 3 diz: “Um homem prudente prevê o mal e se esconde”.
É óbvio que haverá autopreservação. O Senhor não nos ensinou a passividade total diante do mal. Então, o que quer dizer “Não resista ao mal”? No idioma original, tem a ver com alguém que se opõe a você, que te maltrata. O que Ele está dizendo é: não se coloque contra alguém que errou contra você.. Em outras palavras: não se vingue. É tudo o que Ele está dizendo. Ele não se refere ao mal categórico, como se fosse uma orientação para que você permitisse que o mal devastasse sua vida. Ele se refere à pessoa que está fazendo o mal contra você.
Isto não é nada que esteja apenas no Sermão da Montanha. Este é um princípio geral nas Escrituras. Romanos 12:17-21 diz:
17 A ninguém torneis mal por mal; procurai as coisas honestas, perante todos os homens.
18 Se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens.
19 Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira…
Onde está o lugar da ira e da vingança? Onde eu coloco? O verso 19 continua:
19 …Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor
E Então, o que você faz com o inimigo?
20 Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça.
21 Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem.
4.1. QUATRO ILUSTRAÇÕES REFERIDAS POR JESUS
Supere o mal com o bem. Essa é uma tremenda verdade. Jesus escolhe quatro pequenas ilustrações da vida, e eu quero que você veja isso, elas são realmente perspicazes. Ele escolhe quatro direitos humanos básicos: dignidade, segurança, liberdade e propriedade. A propósito, se tivéssemos tempo, entraríamos na Constituição dos Estados Unidos, que garante esses direitos para nós. Temos o direito à dignidade, à segurança, à liberdade e à propriedade. Esses são quatro direitos humanos básicos.
4.1.1. DIREITO À DIGNIDADE – Vamos ver o primeiro, a dignidade. Dizemos em nossa sociedade:
Tenho o direito de ser honrado como ser humano. Devo ser tratado com dignidade, respeitado, tratado com bondade. Sou uma pessoa feita à imagem de Deus e devo ser tratado de acordo com ela”. Nós ouvimos as pessoas dizerem isso hoje: “Eu sou um ser humano. Eu não vou ser tratado assim. Eu tenho meus direitos, tenho dignidade. Você não pode me humilhar ou me desonrar. Eu sou um ser humano!.
Está certo. Você é feito à imagem de Deus e tem direito a alguma dignidade, mas sabe de uma coisa? Você nem sempre vai conseguir! Às vezes você será tratado como algum tipo de animal ou algum tipo de verme ou algo assim. As pessoas vão tratá-lo de uma maneira terrível. Elas podem tratá-lo dessa maneira em um de posto de gasolina ou em um restaurante ou sua família pode tratá-lo dessa maneira. Às vezes as pessoas mais próximas a você o tratam mal e você diz: “O que eu fiz para merecer isso? Eles não percebem que eu sou feito à imagem de Deus? Eu tenho direito à dignidade. Eu não deveria ser tão humilhado e desonrado!”.
O que Jesus diz sobre isso? Mateus 5:39 diz: “a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra”. Isso é muito cheio de significado. Os judeus diziam que o ato mais humilhante e desdenhoso era dar um tapa na cara de alguém. Outro ato mais humilhante, duplamente desdenhoso e arrogante, era dar um tapa com a parte de trás da mão. Epitetus, um escravo romano, escreveu: “Um escravo preferiria ser golpeado com um chicote do que esbofeteado com a parte de trás das mãos de seu mestre”. Era algo muito humilhante.
É muito interessante olhar para o versículo 39, “Aquele que te ferir na face direita”, por que ele usou isso? Porque a mão direita sempre dará um tapa na face direita, se o tapa for dado com a parte de trás da mão. A face direita sendo esbofeteada significaria que ele estava sendo atingido assim, pois a maioria das pessoas é destra. Em outras palavras, quando sua dignidade é tirada, quando você é desprezado, desonrado, humilhado, quando você é arrogantemente humilhado, deixe que seu agressor faça isso novamente, ao invés de você retaliar. É o que isso significa.
Isso não significa apenas virar a outra face. Essa não é a ideia. Você vê, é o espírito não retaliador, não vingativo, perdoador e amoroso. E, se fosse apenas ficar virando a face, você não teria bochechas suficientes para continuar a ilustração. O argumento de Jesus é o seguinte: quando você é humilhado, desonrado e sua dignidade é atingida, não retalie. Deixe acontecer de novo.
As pessoas sempre dizem: “Em João 18, aquele soldado bateu na face de Jesus e Ele não virou o outro”. Eles perdem o ponto. Você sabe o que Ele disse? “Se Eu fiz o mal, Me diga o que é. Se não fiz, por que você fez isso?”. Ele virou a face muitas vezes, porque a partir de então, eles esmagaram a Sua face. Isaías 50:6 diz:
As minhas costas ofereci aos que me feriam, e a minha face aos que me arrancavam os cabelos; não escondi a minha face dos que me afrontavam e me cuspiam.
Foi isto que fizeram com Cristo. Então, Ele foi para a cruz e ficou pendurado lá. Enquanto todos os Seus órgãos estão sendo sufocados, Ele diz: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lucas 23:34).
O que Jesus está dizendo é que quando alguém te trata de uma maneira que é menos do que você merece, quando alguém ofende o seu direito à dignidade, não retalie. Permita-se ser esbofeteado novamente, antes que você pense em retaliar. Entregue o quanto eles quiserem, mas não revide.
Se você está preocupado com sua dignidade, amado, lembre-se que em algum dia você será transformado à imagem de Jesus Cristo e permanecerá assim para sempre. Deus vai derramar toda a bondade da Sua graça sobre você para todo o sempre. Então, se você está preocupado com a sua dignidade, aguente firme; um dia você a terá plenamente. Não lute por isso aqui, porque se o fizer, negará que você é um filho de Deus e que está relacionado a Jesus Cristo. Cristo é a nossa referência maior de vida.
4.1.2. DIREITO À SEGURANÇA – A segunda ilustração é muito gráfica, e é no que diz respeito à nossa segurança. Spurgeon disse: “Às vezes temos que ser a bigorna enquanto os maus são os martelos“. Isso é verdade; às vezes as pessoas se aproveitam de nós. Versículo 40 diz: “e, ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa”. Você diz: “Espere um minuto! Se alguém tentar me processar, eu vou pegá-lo!”. Não, Jesus diz: “Deixe que ele te processe, e então dê a ele”. O que Ele está dizendo aqui?
Eu acredito que a ideia aqui não é apenas ficar passivo quando as pessoas te processam. Se as pessoas descobrissem que os cristãos cressem assim, elas começariam a nos processar por toda parte e tomariam tudo o que temos. Nós diríamos: “Bem, se você gosta da minha casa, aqui está meu carro. Pegue qualquer coisa.” Essa não é a ideia. Mas, a ideia é que, aparentemente, há alguma justificativa para o processo dessa pessoa. Ele está processando você pelo seu casaco.
Agora “casaco” no grego significa sua túnica, a roupa de baixo, o manto normal que era usado por dentro. Era como uma camisa, só que era comprida; eles não usavam calças como os homens fazem hoje. Mulheres e homens usavam uma longa roupa de baixo. Talvez um homem pobre tivesse apenas três ou quatro, algumas pessoas só tinham uma.
A ideia é aqui é que você fez algo e está sendo processado no tribunal. Existe um lugar para isso; e são os tribunais que decidem sobre certas disputas. Então, o que acontece é que você não tem nada para pagar a quem está processando você, exceto aquela túnica que está usando. Quero dizer, você está na pior. Seu adversário vai pegar sua túnica. Quando ele pegar sua camisa, só para mostrar o quão magnânimo seu coração é, e só para mostrar o quanto você está arrependido de ter feito algo para lhe causar problemas, dê-lhe seu casaco, ou sua capa, também.
Para um judeu, isso seria absolutamente devastador. Eles imediatamente pulariam de seus assentos e diriam: “Espere um minuto! Nós sabemos o que a Bíblia diz em Êxodo 22: 26-27!”.
26 Se tomares como garantia o manto do seu próximo, devolvam-no até o pôr do sol
27 porque o manto é a única coberta que ele possui para o corpo. Em que mais se deitaria? Quando ele clamar a mim, eu o ouvirei, pois sou misericordioso.
Você diz: “Eu devo dar a minha última segurança? Isso é tudo que eu tenho no mundo, minha túnica”. A túnica era algo necessário à sobrevivência. É por isso que Êxodo 22:26-27 diz que você pode pegar qualquer coisa que um homem tenha, exceto seu manto. Só poderia ser entregue a outra pessoa como penhor, mas deveria ser devolvido à noite.
Jesus está dizendo: “Se alguém veio a tribunal e você tem que dar a ele sua túnica, não a negue. Não fique com ódio. Mostre a ele que você realmente sente muito que o problema tenha acontecido. E seu pesar é tão grande que tudo o que resta para manter você aquecido, seu último pouquinho de segurança, você está disposto a dar a ele”.
Isso chocou os ouvintes naquele monte. Mas, um pouco à frente, Jesus disse: “amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem, para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste”. Se alguém está pleiteando contra você, e há alguma razão para que esta pessoa esteja fazendo isso, só para mostrar como o seu coração está correto em relação a ele, dê-lhe mais do que ele pede.
As pessoas não podem lidar com isso. Elas não sabem como lidar com esse tipo de atitude. Esta é uma condição dos filhos do Reino. Por outro lado, não seja precipitado em processar alguém. E mais, segundo I Coríntios 6, você não tem o direito de processar outro crente. Terrível é um homem com espírito beligerante.
É melhor ser defraudado do que ser beligerante. É melhor conservar os frutos de ser filho de Deus, tendo um coração perdoador. Jesus tratou de um contexto em que o cristão está envolvido em uma ação como réu, e que há uma razão pela qual ele está sendo processado, sendo que ele deveria dar tudo. A suposição aqui não é que você vai processar alguém. Pode haver momentos em que o tribunal terá que fazer um julgamento sobre certas coisas, eu entendo isso, mas nossa atitude de coração não deve ser aquela que busca conseguir tudo o que podemos obter de todos.
4.1.3. DIREITO À LIBERDADE – Existe uma terceira área. Não apenas dignidade, segurança, mas também liberdade. Temos o direito à liberdade, a sermos livres. Deus nos tornou independentes. Todos nós temos nossos próprios cérebros, pés, mãos, olhos e ouvidos. Nós podemos ir, fazer e dizer; nós temos liberdade. Deus nos deu isso. Temos o direito de falar, ouvir, ver, mover-nos, realizar coisas. Deus até nos tornou individuais e únicos, de modo que somos diferentes, não há duas pessoas iguais. Temos uma incrível liberdade. Deus pretendeu que pudéssemos expressar tudo o que somos em Sua criação. Mas podemos ter pessoas pisando em nossa liberdade.
Jesus fala disso no versículo 41: “Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas”. O sentido aqui é de coerção e força. A imagem desse conceito no Novo Testamento é o momento em que os soldados romanos obrigaram Simão de Cirene a carregar a cruz de Cristo (Mateus 27:32). A ideia aqui é você ser forçado a fazer um deslocamento, obrigado por outra pessoa, em detrimento de sua própria vontade e necessidades.
Aparentemente, havia uma pequena regra naquela época, pelo menos no tempo de Jesus, que acontecia com bastante frequência: um soldado romano poderia pedir a um cidadão que carregasse sua bagagem, mas nunca poderia pedir a nenhum cidadão para carregá-la por mais de uma milha. Então, o que Jesus está dizendo é que quando alguém infringir sua liberdade e disser: ‘Você vai carregar isto uma milha?’, e ele é um odiado romano e você é um judeu, e está indo para algum lugar em direção oposta da qual você estava indo, e você está literalmente carregando armas de guerra do soldado contra seu povo, este é o seu inimigo declarado e ele pede para você ir uma milha, vá duas.
Isto é o que Jesus está dizendo. Você diz: “Isso é difícil de fazer”. Certo, mas esse é o espírito do seu Pai Celestial. Se Deus apenas percorresse a primeira milha conosco, estaríamos em sérios apuros. Ele carregou nosso fardo muito além disso. Não se preocupe mais com sua liberdade, segurança ou dignidade. Deus lhe dará a liberdade dos filhos de Deus, a segurança de Seu lar no céu para sempre, a dignidade da imagem de Jesus Cristo. Não persiga as coisas aqui, que destroem o testemunho que Deus quer que você seja.
4.1.4. DIREITO À PROPRIEDADE – A ilustração final é o direito à propriedade. A última coisa que nos apegamos é aquilo que possuímos. Não é verdade? Podemos pensar que trabalhamos e pagamos por tudo que temos. E se tivermos que emprestar aquilo que temos e estimamos?
Somos possessivos. O que Jesus diz? “Dá a quem te pede e não voltes as costas ao que deseja que lhe emprestes” (Mateus 5:42). Penso que isso implica uma necessidade. Não é um ensino para pessoas indispostas para trabalhar e propensas a pedir.
Temos aqui o princípio da generosidade abnegada. Deus nos ajude a sermos generosos. Veja Deuteronômio 15:7-8, que diz:
7 Quando entre ti houver algum pobre, de teus irmãos, em alguma das tuas portas, na terra que o Senhor teu Deus te dá, não endurecerás o teu coração, nem fecharás a tua mão a teu irmão que for pobre;
8 Antes lhe abrirás de todo a tua mão, e livremente lhe emprestarás o que lhe falta, quanto baste para a sua necessidade.
5. CONCLUSÃO
Enfim, Jesus não está proibindo a justiça. Ela pertence aos tribunais. Mas nos relacionamentos humanos, o Senhor quer que sejamos perdoadores e amorosos. Se nossos direitos forem atingidos, o direito à dignidade, à segurança, à liberdade ou à propriedade, não devemos retaliar. Nós devemos apenas entregar tudo ao Senhor e agirmos com amor.
A chave para isso é o que George Mueller falou:
Houve um dia em que morri, morri totalmente, morri para George Muller e suas opiniões, preferências, gostos e vontades; morri para o mundo, sua aprovação e censura, morri para a aprovação ou condenação da parte dos meus próprios irmãos e amigos. E, desde então, tenho-me esforçado tão somente para ser aprovado diante de Deus.
Essa é realmente é a chave. É um espírito bíblico. É o espírito de Abraão, que correu para resgatar o mesmo Ló que o havia enganado. É o espírito de José, que generosamente perdoou seus irmãos que o entregaram à servidão. É o espírito de Davi que, depois de ser perseguido pelo malvado Saul, poupou sua vida em duas ocasiões. É o espírito de Estêvão, que, sendo apedrejado, pede que o ato pecaminoso de seus assassinos não seja imputado a eles. É o espírito de Paulo, que, após sua conversão, escreve sobre amor e perdão em Romanos e Coríntios. É o espírito de Jesus, que disse: “Pai, perdoa-lhes”.
Antônio, de acordo com a história romana, queria Cícero morto porque ele era um inimigo político. Então, ele disse aos seus homens: “Vão e matem Cícero! Eu quero a cabeça dele”. Cícero era um poderoso orador, que tinha certo poder por causa de sua grande capacidade de falar. Os soldados foram embora e voltaram pouco depois com a cabeça de Cícero. Com alegria, Antônio levou a cabeça à esposa, Fúlvia, e disse: “Veja, finalmente temos a cabeça do nosso inimigo”. Os biógrafos dizem que ela pegou a cabeça e colocou-a no colo, olhou para o rosto e riu. Ela puxou a língua para fora, colocou um punhal na língua, virou-o e, assim, pregou na porta do próprio lugar onde tantas vezes Cícero fizera grandes discursos.
Oh, que perversidade de vingança! Não podemos imaginar ninguém fazendo isso, e ainda assim a menor mancha disso em nossos corações é a mesma perversidade que Deus vê em um ato tão hediondo. Deveria ser dito de nós, como disse Tennyson sobre o Arcebispo Cranmer: “Fazê-lo errado era gerar uma gentileza para ele, pois seu coração era rico. De tal terra fina era, que se você semeasse a semente do ódio, sempre floresceria amor”. Vamos orar juntos.
Pai, em vez de lutar por nossos direitos, que possamos viver pelo que está bem diante de Ti. O espírito de humildade, gentileza, perdão e amor para com aqueles que são colocados contra nós, para que possamos verdadeiramente ser filhos de nosso Pai. Que as pessoas possam ver em nós o maravilhoso e perdoador amor de Jesus Cristo.
Dói nossos corações saber que muitas vezes pregamos um Deus de perdão, um Cristo de perdão, e depois vivemos vidas implacáveis que devem literalmente destruir a validade de nosso testemunho. Possamos nós, como Paulo disse a Tito, adornar a doutrina de Deus. Que nossa vida corresponda à nossa mensagem, que as pessoas possam ver em nós o perdão de Cristo. Que embora os direitos à dignidade, segurança, liberdade e propriedade sejam tirados, que nunca retalemos com nada menos que amor. Traga para aqueles que ofendem nossos direitos uma certa vergonha, para que eles conheçam a vida que possuímos e, conhecendo-a, procurem o único que pode dar essa vida, nosso Senhor Jesus Cristo, em cujo nome nós oramos, Amém.
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Esta é uma série de sermões de John MacArthur sobre o Sermão da Montanha
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Este texto é uma síntese do sermão “An Eye for an Eye, Part 2”, de John MacArthur em 26/08/1979.
Você pode ouvi-lo integralmente (em inglês) no link abaixo:
https://www.gty.org/library/sermons-library/2224/an-eye-for-an-eye-part-2
Tradução e síntese feitos pelo site Rei Eterno