A Parábola do Rico e Lázaro
No inferno não há arrependimento, humildade e busca por perdão. Não é um lugar remediador, ele não conserta ninguém, apemas confirma o que o ímpio é e torna permanente a miséria do pecador impenitente. Lá não há qualquer tipo de alívio, é um lugar de eterno tormento. Através da parábola do rico e Lázaro, Jesus ilustrou a realidade dos horrores do inferno. Naquele lugar horrível os condenados sofrem tão profundamente que uma pequena gota de alívio significaria tudo para eles. Mas isso nunca acontece.
Nesta conferência (Resolved Conference- 2008) recebi a tarefa de falar sobre o inferno. Nosso Senhor Jesus falou mais sobre o inferno do que sobre o céu, e certamente mais sobre o inferno do que qualquer outra pessoa nas Escrituras, ou todos os outros juntos nas Escrituras. Vamos ver a história do rico e de Lázaro.
Lucas 16
19 Ora, havia certo homem rico que se vestia de púrpura e de linho finíssimo e que, todos os dias, se regalava esplendidamente.
20 Havia também certo mendigo, chamado Lázaro, coberto de chagas, que jazia à porta daquele;
21 e desejava alimentar-se das migalhas que caíam da mesa do rico; e até os cães vinham lamber-lhe as úlceras.
22 Aconteceu morrer o mendigo e ser levado pelos anjos para o seio de Abraão; morreu também o rico e foi sepultado.
23 No inferno, estando em tormentos, levantou os olhos e viu ao longe a Abraão e Lázaro no seu seio.
24 Então, clamando, disse: Pai Abraão, tem misericórdia de mim! E manda a Lázaro que molhe em água a ponta do dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama.
25 Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro igualmente, os males; agora, porém, aqui, ele está consolado; tu, em tormentos.
26 E, além de tudo, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que querem passar daqui para vós outros não podem, nem os de lá passar para nós.
27 Então, replicou: Pai, eu te imploro que o mandes à minha casa paterna,
28 porque tenho cinco irmãos; para que lhes dê testemunho, a fim de não virem também para este lugar de tormento.
29 Respondeu Abraão: Eles têm Moisés e os Profetas; ouçam-nos.
30 Mas ele insistiu: Não, pai Abraão; se alguém dentre os mortos for ter com eles, arrepender-se-ão.
31 Abraão, porém, lhe respondeu: Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos.
Ao contrário da opinião comum, o inferno é preenchido principalmente por pessoas religiosas. Antes de relatar essa história contada por Jesus, Lucas escreveu: “Os fariseus, que eram avarentos, ouviam tudo isto e o ridiculizavam” (Lc 16.14). Jesus estava falando a um público constituído de fariseus e seus seguidores, que eram a maioria da população.
Eles estavam em grave perigo de serem lançados no inferno. Jesus já os havia alertado dizendo: “não temais os que matam o corpo e depois não têm mais o que fazer. Mas eu vos mostrarei a quem deveis temer: temei aquele que, depois de matar, tem poder para lançar no inferno; sim, vos digo, a esse temei” (Lc 12.4-6)
Aqui está outra dessas passagens de advertência para aqueles que faziam parte da falsa religião do judaísmo apóstata, que dominava Israel. Eles, como nação, eram como uma vinha que seria destruída, e houve uma súplica para lhe dar mais um ano para ver se daria frutos (Lc 13.6-8).
Todos estavam vivendo um tempo emprestado. Todos iriam morrer, e não tinham controle de quando isso aconteceria. E, portanto, todos eles estavam à beira do inferno eterno, à beira de experimentar o julgamento destrutivo e mortal de Deus.
A religião deles era fraudulenta. Seus líderes eram amantes do dinheiro e se justificavam aos olhos dos homens (Lc 16.14-15). Eles desenvolveram um sistema de justiça pelas obras, um sistema de autojustificação que funcionava com os homens, mas não com Deus, que conhecia os seus corações (Mt 23).
Jesus disse que “aquilo que é elevado entre homens é abominação diante de Deus” (Lc 16.15), e ele estava falando sobre a falsa religião deles. A maioria das pessoas no mundo é religiosa; portanto, o inferno é dominado por pessoas religiosas.
Os fariseus acreditavam no julgamento divino e no inferno, mas eles tinham certeza de que eram justos e livres dessas coisas. Então nosso Senhor lhes conta uma história que desfaz seus pensamentos. Eles eram como o homem rico — autossatisfeito, autoindulgente, amante do dinheiro, desprezador dos rejeitados e rejeitador da verdade das Escrituras.
Eles, como o homem na história, querem sinais e continuavam pedindo sinais enquanto, ao mesmo tempo, rejeitam a verdade revelada. A história então é tanto um ataque à falsa religião do judaísmo farisaico quanto outro aviso misericordioso e compassivo de que aqueles que seguem essa religião estão sob julgamento e condenação eterna.
Na história do rico e de Lázaro há diversos contrastes e inversões
• Há o homem pobre e o homem rico. O homem pobre se torna rico; o homem rico se torna terrivelmente pobre.
• Há o homem pobre do lado de fora, mas rico do lado de dentro; e o homem pobre do lado de dentro, mas rico do lado de fora.
• Há o homem pobre sem comida e o homem rico com muita comida; e então há o homem pobre em uma festa sublime e o homem rico que não consegue nem encontrar uma gota d’água.
• Há o homem pobre que tem imensas necessidades e há o homem rico que não tem necessidades. E então há o homem pobre que não tem necessidades e o homem rico em grandes necessidades.
• Há o homem pobre que deseja tudo porque não tem nada e há o homem rico que não deseja nada porque tem tudo. E então o homem pobre tem tudo e não deseja nada; e o homem rico que não tem nada e deseja tudo.
• Há o homem pobre lambido por cães e o homem rico cercado por dignitários. E então há o homem pobre cercado por dignitários, e o homem rico isolado entre as chamas.
• Há o homem pobre que sofre e o homem rico que está satisfeito. E então há o homem rico que sofre e o homem pobre que está satisfeito.
• Há o homem pobre humilhado e o homem rico honrado, e então há o homem pobre honrado e o homem rico humilhado.
• Há o homem pobre que busca ajuda e o homem rico que não dá nada. Então há o homem rico que busca ajuda, e o homem pobre impedido de lhe dar até uma gota de água.
• Há o homem pobre que é um ninguém e o homem rico que é alguém. E então há o homem pobre que é alguém e o homem rico que é um ninguém.
E assim vai. O homem pobre sem dignidade na vida se torna digno após a morte. O homem rico sem indignidade na vida se torna um absoluto ninguém na morte. Há o homem pobre sem esperança, um homem rico com esperança, e então o homem pobre cuja esperança se realiza, embora ele não tivesse nenhuma, e um homem rico que tinha toda a esperança e então não tem nenhuma mais. E assim por diante. Você entendeu?
Na história, Lázaro nunca fala. Ele fica em silêncio; ele está lá apenas para contraste. Ele não é o objeto da história. A história não é sobre sua experiência; não é sobre o céu. É sobre a experiência do homem rico no inferno. O homem rico fala; o homem rico mantém conversas com Abraão. Ele é o personagem principal da história.
E ao falar, o homem rico faz algo que você não encontra nas páginas das Escrituras. Ele dá um testemunho pessoal de como é estar no inferno.
Temos nas Escrituras um testemunho pessoal real de como era estar no céu. Não é muito útil; é 2 Coríntios 12. O apóstolo Paulo foi lá, e tendo estado lá e voltado, ele simplesmente disse: “Não sei o que dizer. Não há palavras; não consigo descrever”. Mas vemos por aí mentiras tolas de falsos mestres que dizem fazer viagens para o céu e até para o inferno, e os descrevem enganosamente.
Uma história ou uma parábola?
Há muitas razões para considerar a história do rico e Lázaro como uma parábola, exceto por um pequeno detalhe: alguém na história tem um nome, o que é um pouco estranho para as demais parábolas. Mas não há regras contra isso, não há regras dadas a respeito de parábolas. Todos os elementos da história apontam para uma parábola.
Ela é introduzida, por exemplo, da maneira como as parábolas são regularmente introduzidas. “Ora, havia um certo homem rico.” Isso é muito típico da introdução de parábolas. Você vê a mesma introdução pelo menos seis vezes no evangelho de Lucas. O estilo aqui é claramente de uma parábola. É uma história que pretende ilustrar uma verdade espiritual, e o personagem principal não tem nome.
Além disso, as circunstâncias são fictícias e imaginárias. Por exemplo, ver o céu e ver o céu do inferno são circunstâncias imaginárias. Falar com Abraão, saber do inferno quem está no céu e ter uma oportunidade de fazer um apelo do inferno para alguém no céu é algo totalmente imaginário.
Há todas as razões para pensar que esta é simplesmente uma história que Jesus criou para ensinar, e ele decidiu nomear um dos personagens, e Ele lhe dá o nome de “Lázaro”, uma forma de “Eleazar”, que significa “aquele a quem Deus ajuda”. Esse Lázaro nada tem a ver com o irmão de Maria e Marta, a quem Jesus ressuscitou (Jo 11).
E eu penso que o mendigo recebeu um nome simplesmente para distingui-lo do homem rico indescritível, porque ninguém no inferno precisa de um nome. Um condenado eterno não é ninguém lá, não há relacionamentos lá. Mas todos no céu têm um nome.
O engano das riquezas e da aprovação humana
A história se divide em três partes: vida, morte, vida após a morte. Jesus começou dizendo “Ora, havia certo homem rico que se vestia de púrpura e de linho finíssimo e que, todos os dias, se regalava esplendidamente.” Ele usava roupas finas e caras. O seu costume regular era se exibir e desfrutar tudo que a riqueza lhe proporcionava.
Os fariseus estavam ouvindo tudo e, no início da parábola, deveriam estar pensando: “Esse homem rico é um abençoado!”. Eles foram os inventores originais da heresia do evangelho da prosperidade, ou seja, a falsa doutrina que relaciona a bênção de Deus com bens materiais. Eles eram avarentos (Lc 16.14).
Para os fariseus o rico era uma pessoa abençoada e o pobre ou alguém com grave problema de saúde era um amaldiçoado. Essa era a teologia deles. Se algo desse errado em sua vida, era resultado do pecado. Era a mentalidade de Jó e dos amigos de Jó arrastada para o Novo Testamento.
Por isso os discípulos, quando viram um cego de nascença, perguntaram a Jesus: “Mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?” (Jo 9.2). Essa era a teologia popular em Israel nos tempos de Jesus.
Por outro lado havia um certo homem pobre, chamado Lázaro, coberto de feridas que eram lambidas por cães, e que vivia na porta do rico desejando comer os restos que caia de sua mesa. O sentido original grego é de um homem em extrema pobreza, que foi jogado na porta do home rico e tinha lesões escorrendo por todo o corpo. Uma cena repugnante.
O homem rico era como os fariseus, amante do dinheiro, servindo às riquezas e não a Deus. O homem rico na história não dá nenhuma ajuda ao homem pobre. Ele sabia da situação, pois Lázaro jazia na sua porta e “desejava alimentar-se das migalhas que caíam da mesa do rico” (Lc 16.21).
Naquela época não havia guardanapos, as pessoas molhavam as mãos em líquidos, óleo ou azeite, e as limpavam com os pedaços de pão, e então os jogavam debaixo da mesa para serem comidos pelos cães, que ficavam ao redor das refeições em uma casa aberta. O mendigo não tinha acesso nem a essas migalhas.
O homem rico pensava que aquele mendigo estava sob maldição de Deus e assim queria manter distância dele. Ele deveria pensar: “se eu ajudar esse miserável, posso estar indo contra os propósitos de Deus”. E então o mendigo não era digno de receber nem as migalhas jogadas debaixo da mesa para os cães.
E se não bastasse, os cães vinham lamber suas feridas. Isso é a indignidade máxima. Naquela época os cachorros não eram animais de estimação, eles vagavam pelos arredores da cidade em busca de lixo, eram imundos e fedorentos.
A menção conjunta de migalhas da mesa, feridas e cães faz com que esse homem pareça odioso aos olhos dos fariseus. Eles estavam inclinados a ver todas essas coisas como provas do desfavor divino. Teriam visto essa pessoa não apenas como impura, mas também como desprezada por Deus.
A morte revela o que tem valor eterno
E então um evento muda tudo: “Aconteceu morrer o mendigo e ser levado pelos anjos para o seio de Abraão; morreu também o rico e foi sepultado” (Lc 16.22). Isso foi um choque para os fariseus, pois eles esperavam que a morte de Lázaro completaria uma suposta maldição de Deus.
Mas Jesus relatou algo surpreendente para a falsa teologia deles: O pobre morreu e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão. Isso foi como uma bomba que explodiu em suas mentes. Para eles, tudo que aconteceu com o mendigo foi resultado de maldição, a mente deles não podia suportar algo diferente.
Enquanto o home rico teve um funeral requintado, o desprezado Lázaro não teve sequer um enterro. Seu corpo teria sido levado por alguns coletores de lixo da cidade e jogado na Geena, um depósito de lixo em chamas em Jerusalém, que é o símbolo do inferno. Ele teria sido queimado como lixo.
Mas havia algo melhor do que um funeral — ele foi levado pelos anjos para o seio de Abraão. No pensamento dos fariseus o rico iria para o céu e o mendigo amaldiçoado para o inferno. Mas o choque na história é que os anjos levam o mendigo para o seio de Abraão e o rico foi para o inferno. E isso nos apresenta à vida após a morte. Isto foi o oposto absoluto do que os fariseus esperariam.
Dois destinos: Seio de Abraão e o Hades
“Seio de Abraão” é usado somente aqui nas Escrituras. O termo era usado no Talmude (coletânea de livros sagrados dos judeus) como uma representação do céu. A ideia era que Lázaro recebera lugar de grande honra, reclinando-se ao lado de Abraão no banquete celestial.
A palavra grega traduzida como “inferno” é “ᾅδης” (Hades). Era o termo grego para a habitação dos mortos. Na Septuaginta, foi usada para traduzir a palavra hebraica “Sheol”, que se referia ao reino dos mortos em geral, sem necessariamente fazer distinção entre almas justas e ímpias.
Contudo, no uso do Novo Testamento, “Hades” sempre se refere ao lugar dos ímpios antes do castigo final no inferno. É uma morada dos condenados, nunca dos crentes. As imagens que Jesus usou são paralelas à ideia rabínica comum de que o “Sheol” tinha duas partes, uma para as almas dos justos e outra para as almas dos ímpios — separadas por um abismo instransponível.
O mendigo foi levado pelos anjos para o seio de Abraão, uma linguagem que expressa o fato de que Deus envia seus santos anjos para reunir um dos seus para a glória.
A Escritura ensina de maneira consistente que o espírito dos justos mortos vai diretamente para a presença de Deus (cf. Lc 23.43; 2Co 5.8; Fp 1.23). A presença de Moisés e Elias no monte da transfiguração (Lc 9.30) contradiz a ideia de que eles estavam confinados a um compartimento do “Sheol”, onde permaneceriam até que Cristo completasse a sua obra.
Jesus disse que o mendigo recebeu um lugar de honra, em comunhão com o maior de todos os heróis judeus, Abraão, de quem os fariseus se orgulhavam de serem filhos (Jo 8.39), e assim defender seus privilégios e singularidade. Mas essa história foi ultrajante para os fariseus, e ofendeu profundamente a teologia deles.
Eles estavam pensando: “Como pode um homem tão amaldiçoado se tornar um convidado de honra no céu, em um banquete da salvação?”. E pior, o homem rico, suspostamente tão abençoado, está no Hades, em terrível sofrimento. Isso foi uma reversão extrema, algo inconcebível para a teologia corrente.
Isto é terrivelmente perturbador para a falsa teologia de que se você sofre na vida, você é amaldiçoado por Deus. E se você é rico e sem sofrimentos então você é abençoado por Deus.
O homem rico tinha tudo na vida e foi para o Hades. E foi para lá imediatamente. Não há lugar de transição, não há lugar de espera e não há purgatório. “Ele levantou os olhos” (Lc 16.23). O que isso significa? Despertar, sentir, estar ciente, consciência imediata do inferno. Ele morreu e foi logo para o inferno. E ele estava instantaneamente ciente disso.
E qual foi a experiência dele? “No inferno, estando em tormentos…” (Lc 16.23). Não apenas um tormento, mas muitos. Cristo retratou o inferno (Hades) como um lugar onde o indescritível tormento já havia começado. Entre as misérias relatadas aqui estão o fogo inextinguível (Lc 16.24), uma consciência acusadora alimentada por lembranças eternas de oportunidade perdida (Lc 16.25) e a separação permanente e irreversível de Deus e de tudo o que é bom (Lc 16.26).
Mas o crente que morre está imediatamente na comunhão consciente e nas alegrias da experiência celestial. Jesus disse ao ladrão arrependido na cruz: “Hoje você estará comigo no paraíso” (Lc 23.43). Mas os condenados estarão imediatamente na experiência consciente do sofrimento eterno.
Jesus usou uma conversa imaginária para ensinar
E então nosso Senhor criou uma conversa imaginária. É por isso que dizemos que esta é uma história fictícia, uma parábola. Pessoas no inferno não podem ver pessoas no céu. Mas para fins de ilustração, o homem rico atormentado é autorizado a olhar do inferno para o céu, através do abismo intransponível.
Embora, na realidade, as almas no inferno não possuam acesso ao céu e as almas no céu não veem quem está no inferno. A história é puramente uma parábola.
Mas para fins de ilustração, para nos ajudar a entender que o rico está sofrendo, ele tem permissão na história para contemplar o que Lázaro está experimentando. E ele clamou: “Pai Abraão, tem misericórdia de mim” (Lc 16.24).
O impiedoso agora quer misericórdia. Ele pede para si mesmo o que nunca esteve disposto a dar a Lázaro, que passou tanto tempo se humilhando e mendigando na sua porta.
E, por mais bizarro que pareça, o homem rico diz a Abraão: “manda a Lázaro que molhe em água a ponta do dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama” (Lc 16.24). Ele ainda estava apegado a ideia de que é superior a Lázaro, que, embora esteja no inferno e Lázaro esteja no céu, ele acha que Lázaro ainda é seu servo.
Ele pede que a misericórdia lhe seja dada por aquele a quem ele se recusou mostrar misericórdia. Ele ainda acha que um paupérrimo como Lázaro deve servi-lo, mesmo estando no inferno.
A realidade do inferno
O que isso quer dizer? O inferno não corrige e nem melhora ninguém, apenas pune. O homem rico jamais daria o que agora ele pede a Lázaro. E seria impossível Lázaro lhe dar alguma coisa naquele momento.
No inferno não há arrependimento, busca por perdão e humildade. O inferno não é remediador, ele não conserta ninguém, ele confirma o que o ímpio é e torna permanente a miséria do pecador impenitente. Lá não há qualquer tipo de alívio, é um lugar de eterno tormento.
Através dessa parábola Jesus ilustrou a realidade dos horrores do inferno. Naquele lugar horrível os condenados sofrem tão profundamente que uma pequena gota de alívio significaria tudo para eles. Mas isso nunca acontece.
E Abraão lhe respondeu: “Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro igualmente, os males; agora, porém, aqui, ele está consolado; tu, em tormentos” (Lc 16.25).
Ser um mero religioso, gozar de saúde e prosperidade ou ser descendente físico de Abraão não quer dizer nada em termos de salvação. Somente somos salvos pela fé em Jesus Cristo.
Sim, Abraão lhe chamou de “filho”, ou seja, no sentido de que aquele homem era seu descendente. Lembre-se do que os fariseus disseram a Jesus: “Nosso pai é Abraão” (Jo 8.39). Eles eram realmente, no sentido genético, genealógico e racial, filhos de Abraão. Mas Jesus lhes disse que, mesmo sendo descendência de Abraão, eles eram filhos do diabo (Jo 8.44).
Abraão lembrou ao homem rico que, durante sua vida, ele foi alvo da graça comum e providência divina, tendo usufruído de muitas riquezas, e que Lázaro passou a vida na pobreza extrema. Mas agora, enquanto Lázaro goza de consolo eterno, o rico, que negou exercer a misericórdia, vive no tormento eterno.
A graça comum é uma dádiva de Deus que abençoa a todos os seres humanos, independentemente de sua condição. Este mundo está carregado de riquezas, mas tudo procede de Deus. O objetivo de Deus era que o homem desfrutasse da criação para lhe dar honra, louvor e glória, em um antegozo do que vamos desfrutar na glória eterna.
Mas aquele homem, tendo recebido essas providências, simplesmente se entregou a elas. Ele agiu como o homem avarento que construiu grandes celeiros e os encheu, e disse: “minha alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te”, mas que Jesus o alertou: “Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?” (Lc 12.16-21).
A vida pode ser assim. O ímpio pode morrer muito rico e o redimido muito pobre. É uma verdade. Asafe escreveu:
Pois eu invejava os arrogantes, ao ver a prosperidade dos perversos. Para eles não há preocupações, o seu corpo é sadio […] Eis que são estes os ímpios; e, sempre tranquilos, aumentam suas riquezas […] Com efeito, inutilmente conservei puro o coração e lavei as mãos na inocência. Pois de contínuo sou afligido e cada manhã, castigado […] Em só refletir para compreender isso, achei mui pesada tarefa para mim […] até que entrei no santuário de Deus, e então compreendi o destino dos ímpios. Certamente os pões em terreno escorregadio e os fazes cair na ruína. Como são destruídos de repente, completamente tomados de pavor! […] Tu me diriges com o teu conselho, e depois me receberás com honras. A quem tenho nos céus senão a ti? E na terra, nada mais desejo além de estar junto a ti. O meu corpo e o meu coração poderão fraquejar, mas Deus é a força do meu coração e a minha herança para sempre. (Sl 73.3-4; 12-13; 16-19)
Uma pessoa pode desfrutar de todas as providências de Deus — todos os componentes comuns da graça de um Deus generoso e gracioso, e depois ficar sem nada disso para sempre. As dádivas eternas estão conectadas a Deus, e onde Deus não estiver, nada disso também estará lá.
Por outro lado, Lázaro não tinha nada. Possivelmente era alguém com alguma deficiência física que foi jogado na porta do homem rico. Mas agora ele participa da glória eterna e desfruta as dádivas eternas celestiais. Ele está gozando o consolo eterno, enquanto o avarento enfrenta desprezo eterno.
As consequências eternas de não reconhecer a autoridade da Palavra de Deus
E Abraão diz mais: “E além disso, entre vocês e nós há um grande abismo, de forma que os que desejam passar do nosso lado para o seu, ou do seu lado para o nosso, não conseguem” (Lc 16.26).
Há um abismo intransponível e permanente entre o céu e o inferno. Não há qualquer esperança no inferno, todos são condenados perpétuos ao tormento eterno. Não há como sair do inferno, é uma prisão eterna.
Não podendo fazer nada por si mesmo, o homem rico teve compaixão geral de sua própria família. Ele sabe que o destino dela também seria a agonia eterna. E faz um pedido a Abraão: “Então eu lhe suplico, pai: manda Lázaro ir à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos. Deixa que ele os avise, a fim de que eles não venham também para este lugar de tormento” (Lc 16. 27-28).
Gosto disso nele. É bom que ele se importasse. E ele sabia que seus irmãos eram como ele. Ele estava no inferno e eles estavam vindo. Seu pedido é realmente uma espécie de reclamação. Ele diz? “manda Lázaro”. Ele continua tratando Lázaro com desdém, um serviçal dele, mesmo sabendo que Lázaro está no céu desfrutando a glória eterna.
Podemos supor que os fariseus estariam ouvindo isso como um homem religioso e abençoado por Deus e, portanto, tinham irmãos religiosos que estavam no judaísmo farisaico. Mas eles iriam acabar no inferno assim como aquele homem rico, porque eles não sabiam como era o inferno e, portanto, não estavam preocupados em evitá-lo.
Não há nesta parábola nenhuma palavra de arrependimento, pois isso não é possível no inferno. Mas Jesus criou uma preocupação fictícia para que possamos entender o ponto de toda a história: Por que as pessoas vão para o inferno? Por que o homem rico foi para o inferno? Por quê? E por que seus irmãos iriam para o inferno?
Abraão lhe respondeu: “Eles têm Moisés e os Profetas; ouçam-nos” (Lc 16.29). Você sabe qual era o problema dos fariseus e demais religiosos de Israel? Eles recusaram ouvir a Palavra de Deus. Diante da recusa deles em ouvir a Palavra de Deus, Jesus disse:
Porque o coração deste povo está endurecido, de mau grado ouviram com os ouvidos e fecharam os olhos; para não suceder que vejam com os olhos, ouçam com os ouvidos, entendam com o coração, se convertam e sejam por mim curados (Mt 13.25).
Por que transgredis vós também o mandamento de Deus, por causa da vossa tradição? […] E, assim, invalidastes a palavra de Deus, por causa da vossa tradição. Hipócritas! Bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens (Mt 15. 3, 6-9).
O que eles poderiam ter aprendido do Antigo Testamento?
Tudo o que eles precisavam saber sobre a natureza do Criador, Legislador e Juiz todo santo, o Deus eterno e verdadeiro; informações amplas e suficientes sobre sua própria pecaminosidade e necessidade de arrependimento; a verdade sobre a salvação somente pela graça, por meio da fé, e a justificação que vem pela graça, por meio da fé.
Eles teriam sabido que Deus oferece perdão completo do pecado e escape do julgamento, da ira e da condenação; que a justiça vinda de Deus é imputada àqueles que depositam sua confiança nele; que a substituição é a maneira como Deus lida com o pecado.
E eles teriam entendido que viria um sacrifício, um Messias e um Salvador que esmagaria a cabeça de Satanás, que proveria redenção para Seu povo, que seria o substituto sofredor, que um dia então estabelecerá seu trono e traria todas as promessas incondicionais feitas a Abraão e Davi para Israel e para o mundo.
Eles teriam que entender a necessidade: de crer em Jesus e arrepender-se; de abandonar todas as falsas esperanças de um sistema religioso vazio e falido, a busca de glória humana, o orgulho, a autoconfiança, a autojustiça, as tradições e as riquezas; e de colocar toda a esperança no que procede dos céus, no Filho de Deus, no Messias e Redentor.
E assim eles teriam se aproximado do Deus vivo e verdadeiro. Se eles tivessem realmente crido em Moisés e nos profetas, eles teriam sabido que Jesus era o Messias prometido. Jesus lhes disse:
Também não tendes a sua palavra permanente em vós, porque não credes naquele a quem ele enviou. Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim. (Jo 5. 38-39).
Jesus reafirmou plena suficiência das Escrituras
Mas o homem rico contradiz Abraão e insiste: “Não, pai Abraão; se alguém dentre os mortos for ter com eles, arrepender-se-ão” (Jo 12.30). Ou seja, ele quis dizer:
Pai Abraão, você está errado. Eles não têm o que precisam. As Escrituras não são suficientes. Eu tinha Moisés e os Profetas, mas estou no inferno, isso não resolve. Se eles ficarem apenas com as Escrituras, eles também virão para este lugar horrível. Algum morto tem que ressuscitar e ir avisá-los. Isso resolverá tudo. Eles precisam de um sinal.
Os irmãos daquele homem conheciam Lázaro, sabiam que ele era aquele mendigo miserável que jazia no portão da casa do homem rico e que havia morrido. Se Lázaro voltasse lá, eles o reconheceriam prontamente. O homem rico acreditava que se isso acontecesse, Lázaro poderia convencê-los a crer em Jesus e se arrependerem de seus pecados.
O problema é que ninguém pode evitar o inferno simplesmente por não querer ir para lá. Há só uma forma de evitar o inferno: seguir o caminho da salvação revelado por Moisés e os Profetas no Antigo Testamento, que apontam para pessoa de Jesus Cristo, conforme vemos, por exemplo em Isaías 53.
Por isso Abraão lhe respondeu: “Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos” (Lc 16.31).
Eles rejeitaram Jesus, crucificaram o Filho de Deus, o Messias e Redentor. Mas Jesus ressuscitou dos mortos e eles o rejeitaram da mesma forma. Por uma interessante coincidência divina, Jesus ressuscitou um homem dos mortos chamado Lázaro (Jo 11), e eles sabiam disso.
Com o alvoroço daquela ressurreição de Lázaro “os principais sacerdotes e os fariseus convocaram o Sinédrio; e disseram: Que estamos fazendo, uma vez que este homem opera muitos sinais? Se o deixarmos assim, todos crerão nele; depois, virão os romanos e tomarão não só o nosso lugar, mas a própria nação” (Jo 11.47,48) e “desde aquele dia, resolveram matá-lo” (Jo 11.53).
A ressurreição de Lázaro, irmão de Marta e Maria, foi um dos motivos de os líderes religiosos matarem Jesus.
A religião não protege ninguém do inferno, somente a verdade salvadora do evangelho, revelada nas páginas das Escrituras, completadas no Novo Testamento por meio da obra de Cristo, pode resgatar homens da condenação do inferno e os levar escoltados pelos anjos para a plena comunhão de todos os santos. Vamos orar.
Pai nosso, estamos emocionados por, de uma forma muito humilde e inadequada, sentar-nos aos pés de Jesus esta manhã e ouvi-Lo falar sobre o céu e o inferno. Ele é nosso amado Mestre. O que podemos dizer? Somos como aquele mendigo — destituídos, miseráveis, fedorentos, com feridas purulentas, perversos, pecadores, indignos e necessitados. Mas contigo temos um nome, e contigo temos uma identidade. Temos até um nome que ninguém conhece que nos será dado quando entrarmos em Tua presença. Teu nome especial para nós porque pertencemos a Ti.
Podemos não ter nada neste mundo, mas teremos tudo no mundo vindouro. Como eu oro, Pai, para que Tu, por Tua graça poderosa e avassaladora, capture o coração de qualquer retardatário aqui, qualquer homem rico, qualquer pessoa autoindulgente e autossatisfeita que pensa que, sendo boa ou religiosa ou tendo bons pensamentos sobre Jesus, pode escapar do inferno. Que cada um saiba que somente por meio da fé na glória plena do evangelho de Cristo podemos escapar do inferno e experimentar o céu.
E, Senhor, dá-nos paixão em nossos corações para resgatar os que perecem, cuidar dos moribundos, arrebatá-los com piedade da sepultura e do inferno. Dá-nos uma paixão evangelística por nossas famílias, nossos colegas, nossas cidades e nosso mundo. Usa-nos, Senhor, como humildes instrumentos para reunir os Teus. Nós nos alegramos com tais, cujo privilégio não merecemos.
E, Senhor, faz uma obra em cada coração hoje de salvação, de um novo nível de gratidão e ação de graças e louvor e alegria avassaladores por ter sido garantida a promessa do céu, e uma nova devoção para proclamar as advertências que nosso querido Salvador proclamou fielmente, mesmo para seus piores inimigos — aqueles que o mataram.
Usa-nos, Senhor, para Tua obra gloriosa. Ajuda-nos a sermos úteis enquanto Tu povoas o céu. E nós Te agradecemos em nome de nosso Salvador. Amém.
Veja outros sermões sobre o Evangelho de Lucas
Este texto é uma síntese dos sermões “The Rich Man and Lazarus”, de John MacArthur, pregado em 2008 na Resolved Conference.
Você pode ouvi-lo integralmente (em inglês) nos links abaixo:
https://www.gty.org/library/sermons-library/CONF-RC08-10/the-rich-man-and-lazarus-2008-resolved-conference
Tradução e síntese feitos pelo site Rei Eterno