Mansidão e descanso

“Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas”.
Mateus 11: 28-29

Para termos um quadro fiel da raça humana, bastaria que tomássemos as bem-aventuranças e invertêssemos o seu sentido. Então poderíamos dizer: “Eis aqui a raça humana decaída”.

Neste mundo dos homens não vemos nada que se aproxime pelo menos um pouco das virtudes que Jesus mencionou no início do sermão do monte (Mateus 5). No lugar da humildade de espírito, encontramos o orgulho em seu mais alto grau; em lugar de pranteadores, encontramos somente os que buscam os prazeres; em vez de mansidão, por todo o lugar nos cerca a arrogância, ao contrário da fome e sede da justiça de Deus, só se ouve os homens exclamando: “Estou farto”; em vez de misericórdia, contemplamos a crueldade, ao invés de pureza de coração, abundam os pensamentos corruptos; em vez de pacificadores, os homens são irascíveis e rancorosos; em lugar de regozijo em face das injúrias, vemos os homens revidando as afrontas com todas as armas a seu alcance.

É esta a substância moral que se compõe o mundo civilizado. Todo o ambiente está contaminado; nós o respiramos a cada momento e bebemos dele juntamente com o leite materno. A cultura e a educação refinam apenas superficialmente essas qualidades negativas, mas deixam-nas basicamente intactas. Todo um mundo literário foi desenvolvido para defender que é esta a maneira normal de se viver. A arrogância, o orgulho, o ressentimento, os maus pensamentos, a malícia, a cobiça – essas são as fontes de todas as enfermidades que afligem a nossa carne.

O fardo que pesa sobre a humanidade é grande e esmagador. Em Mateus 11:28-30, Jesus nos diz o resultado desse fardo no homem: “cansados e sobrecarregados”, nos fazendo um convite: “Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e acharei descanso para vossas almas”. Ou seja, Jesus nos diz que o fardo que os homens carregam leva-os a exaustão. Mas que fardo é este? Ele está localizado em nosso íntimo. Chega primeiramente ao coração e à mente, e atinge o nosso corpo de dentro para fora.

O fardo do orgulho

Nosso esforço para resguardar o amor-próprio é realmente exaustivo. Se examinarmos a nossa vida, vemos que muitas de nossas aflições têm origem no fato de nossa preocupação do que as pessoas pensam ou falam a nosso respeito. Sentimos-nos pequenos deuses intocáveis. Se persistirmos nessa luta, com o passar dos anos, o fardo se tornará simplesmente intolerável. No entanto os homens continuam levando esse fardo por toda a vida, desafiando toda palavra que lhes parece contrária, ressentindo-se contra a crítica, magoando-se com a mais leve indiferença, sofrendo de amarguras profundas se outros forem preferidos em lugar deles.

Todavia ninguém é obrigado a carregar este fardo pesado. Jesus nos convida a descansar Nele, e a mansidão é o método aplicado. O homem manso não se importa se alguém se tornar maior que ele, porque há muito compreendeu que as coisas que o mundo aprecia não são importantes para ele, e não vale a pena desgastar sua vida na luta por elas.

O homem manso não é covarde nem vive atormentado por reconhecer que não precisa ser superior a ninguém. Ele sabe que conforme o ensino de Jesus, os humildes são os bem-aventurados e os arrogantes são inimigos de deus, os mansos herdam a terra, os primeiros serão os últimos e ou últimos os primeiros, o maior é aquele que serve e não aquele que é servido.

Nesse ínterim, terá encontrado descanso para sua alma. Se andar em mansidão, ele ficará satisfeito em permitir que Deus o defenda. Já não precisa lutar para defender o seu “eu”, porque encontrou a paz que a mansidão proporciona.

O fardo do fingimento

Não me refiro apenas à hipocrisia, mas, principalmente, o desejo comum no mundo dos homens em mostrar seu lado melhor, ocultando sua verdadeira pobreza e misérias internas. Um dos efeitos do mal que está no ser humano, é incutir um falso sentimento de vergonha. Dificilmente encontramos alguém que queira ser exatamente o que é, sem tentar forjar uma aparência exterior para o mundo. O temor de ser descoberto corrói o coração humano. O homem de cultura sente-se perseguido pelo receio que apareça, em seu ambiente de glória, alguém mais culto que ele. O erudito teme por se deparar com alguém mais erudito que ele. O rico vive atemorizado pela possibilidade de descer um degrau de seu padrão de vida. As motivações de vida da quase totalidade dos seres humanos passam por sentimentos de querer prevalecer.

Mas nisso tudo não há paz. O esforço para ter sucesso exerce muita pressão sobre os nervos. A excessiva luta pela conquista aperta a mente, endurece o coração e veda a visão. O homem que chega ao topo nunca é feliz por muito tempo. Logo é devorado por temores que pode escorregar uma estaca abaixo e ser forçado a ceder seu lugar a outro.

Ninguém deve menosprezar essas verdades. Esse fardo é real, e pouco a pouco, ele mata as vítimas dessa maneira de viver nociva e antinatural. No decorrer dos anos a mansidão autêntica nos parece tão distante como as estrelas. Contra essa enfermidade, que acomete toda a raça humana, Jesus convida ao novo nascimento (João 3). Isso porque as criancinhas não fazem comparações dessa natureza, mas alegram-se naturalmente com aquilo que possuem, sem se incomodar com o que as outras crianças possam ter. Somente quando maiores é que passam a sofrer este terrível fardo, que nunca mais as deixa, até que o Senhor Jesus lhes dê a libertação.

O fardo da artificialidade

Estou certo que a maioria das pessoas vive com um receio íntimo de que algum dia acabará se descuidando e, talvez, alguém descubra o interior de suas almas vazias e pobres. Dessa forma vivem em constante tensão.

Essa condição antinatural faz parte de nossa triste herança do pecado, e agravado pela nossa maneira de viver. O mundo baseia-se quase que inteiramente em preocupação com as aparências externas. Oferecem-se cursos que apelam claramente que a vítima tem que se sobressair. Vendem-se livros, inventam-se vestes e cosméticos, brincando continuamente com esse desejo que o homem tem que parecer o que não é.

A artificialidade é um mal que desaparece no memento que nos rendemos aos pés do Senhor Jesus, lamentando nossas misérias e pranteando-as (Tiago 4: 8-10). Daí em diante, nossa preocupação vai girar em torno daquilo que Deus pensa a nosso respeito. Então o que somos será tudo; e o que parecemos ser descerá na escala de valores das coisas que nos interessam. Afastado o pecado, nada temos de que nos possamos envergonhar. Somente o nosso desejo de prestígio é que nos faz querer parecer aos outros aquilo que não somos. O mundo inteiro está a ponto de sucumbir sob esse fardo terrível de orgulho e dissimulação. Ninguém pode ser liberto dessa carga a não ser através da mansidão de Cristo. Uma racionalização inteligente pode ajudar, mas muito pouco, pois esse hábito é tão forte, que, se abafarmos aqui, ele surgirá mais adiante.

Senhor, torna meu coração como a de uma criança. Livra-me do impulso de competir com os outros, buscando posição mais elevada entre os homens. Desejo ser simples e ingênuo como uma criancinha. Livra-me das atitudes fingidas e da dissimulação. Perdoa-me por haver pensado tanto em mim. Ajuda-me a esquecer de mim mesmo e a encontrar minha verdadeira paz na tua contemplação. Coloca sobre mim Teu fardo suave de autodesprendimento, para que eu possa encontrar descanso para minha alma. Amém

A W Tozer

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