Cultivemos a simplicidade e a solidão

Nós cristãos temos de simplificar as nossas vidas ou teremos de perder tesouros incontáveis na terra e na eternidade.
A civilização moderna é tão complexa que torna a vida de devoção quase impossível. Cansa-nos multiplicando distrações e nos prostra destruindo nossa soledade, quando, doutro modo, poderíamos beber e renovar as nossas forças antes de sair para enfrentar de novo o mundo.

“A alma que gosta de meditar, retira-se para a solidão”, disse o poeta de outros tempos, tempos mais tranqüilos; mas, onde está a solidão para a qual podemos retirar-nos hoje? A ciência, que propiciou aos homens certas comodidades materiais, roubou-lhes as almas, cercando-os com um mundo hostil à sua existência.

“Converse com o seu coração em seu leito, e fique tranqüilo”, é um conselho sábio e com poder curativo, mas como pode ser seguido nestes dias de jornais, telefone, rádio e televisão? Estes brinquedos modernos, como filhotes de tigre de estimação, cresceram e ficaram tão grandes e perigosos, que ameaçam devorar-nos a todos. O que foi planejado para ser uma bênção tornou-se positivamente uma maldição. Lugar nenhum está salvo agora da intrusão do mundo.

Um modo pelo qual o mundo civilizado destrói os homens é impedindo-os de ter os seus próprios pensamentos. Os nossos “meios de comunicação enormemente melhorados”, de que os de visão curta se jactam alto e bom som, agora capacitam uns poucos homens, em centros estratégicos, a alimentar milhões de mentes com conteúdo de pensamento alheio, pré-fabricado e pré-digerido. Uma pequena assimilação, sem esforço, destas idéias tomadas por empréstimo, e o homem comum terá acionado todo o pensamento que quer ou que pode acionar.

Esta sutil lavagem cerebral prossegue dia após dia e ano após ano, para prejuízo eterno da população — população que, casualmente, está disposta a pagar grandes somas de dinheiro para obter trabalho pronto, sendo que a razão disso, suponho eu, é que isso a livra da tarefa árdua e muitas vezes assustadora de chegar a decisões independentes pelas quais terá de assumir a responsabilidade.

Houve época, não faz muito tempo, em que o lar de um homem era o seu castelo, refúgio seguro para o qual podia voltar para ter sossego e soledade. Ali “as chuvas do céu podem despejar-se, mas nem o próprio rei pode entrar sem permissão”, diziam os orgulhosos ingleses, e não se gabavam em vão. Isso era de fato um lar. Sobre tão sagrado lugar o poeta cantou:

Oh! quando a salvo estou em meu rústico lar, piso o orgulho da Grécia e a arrogância de Roma; e quando à boa sombra dos pinhais me estendo, onde a estrela da tarde tão pura resplende, rio-me do saber e da vaidade do homem, das escolas sofistas e da casta dos doutos; pois, que são eles todos, em sua presunção, quando na sarça o homem pode estar com Deus?

A necessidade de soledade e quietude nunca foi maior do’ que hoje. O que o mundo fará a respeito é problema dele. Aparentemente, as massas querem as coisas como estão, e na maioria os cristãos acham-se tão conformados com a presente era, que eles também querem que as coisas continuem como estão. Talvez estejam um pouco aborrecidos pelo clamor e pela vida de aquário que levam, mas evidentemente não estão suficientemente aborrecidos para fazer algo a respeito. Contudo, há alguns poucos cristãos que já deram o basta. Querem reaprender os caminhos da soledade e da simplicidade, e obter as riquezas infinitas da vida interior. Querem descobrir a bem-aventurança daquilo que o Dr. Max Reich chamava de “solidão espiritual”. A esses irmãos ofereço um breve parágrafo de conselho.

Retire-se do mundo todo dia para algum local privado, ainda que seja apenas o quarto (por um tempo fiz o meu retiro na câmara da caldeira de aquecimento, por falta de lugar melhor). Permaneça no local secreto até que os ruídos circundantes comecem a esvair-se do seu coração e a sensação da presença de Deus o envolva.

Deliberadamente desligue os sons desagradáveis e saia do seu recanto secreto determinado a não ouvi-los. Ouça a voz interior até aprender a reconhecê-la. Pare de tentar competir com outros.

Entregue-se a Deus, e então seja o que e quem é, sem se importar com o que os outros pensam. Reduza os seus interesses a uns poucos. Não procure saber coisas que não lhe sejam úteis. Evite a mente condensada — cheia de pedaços de fatos não relacionados entre si, histórias bonitas e ditos brilhantes. Aprenda a orar interiormente a todo momento. Após algum tempo, você poderá fazer isso enquanto trabalha. Pratique a candura, a sinceridade da criança, a humildade. Ore pedindo olhos simples. Leia menos, mas leia mais daquilo que é importante para a sua vida interior.

Jamais permita que a sua mente fique dispersa por muito tempo. Chame para casa os seus pensamentos errantes. Contemple Cristo com os olhos da alma. Exercite a concentração espiritual. Tudo que acima foi dito depende da correta relação com Deus por meio de Cristo, e da meditação diária nas Escrituras. Faltando estas coisas, nada nos ajudará; asseguradas, a disciplina recomendada conseguirá neutralizar os maus efeitos do externalismo e nos fará conhecer bem a Deus e às nossas próprias almas.

A W Tozer

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