A Essência do Evangelismo
O poder do evangelho está nas mãos de Deus e não nas mãos do evangelista. Devemos evangelizar confiando apenas no poder e na soberania de Deus. A maravilha do evangelho é a operação do próprio Deus. Semeamos a semente e, então descansamos, e o Espírito Santo opera mediante o evangelho, transmitindo vida.
Os discípulos estavam confusos. Haviam deixado tudo para seguir a Jesus (Mc. 10:28). Eles creram que ele era o Messias, e esperavam o cumprimento imediato de todas as profecias messiânicas do Antigo Testamento: salvação nacional e supremacia mundial de Israel.
Inicialmente os discípulos ficaram entusiasmados. Jesus causou grande impacto atraindo multidões. Suas palavras, ensinos, sabedoria, sinais e maravilhas demonstravam que ele não era simplesmente um mestre ou profeta, mas o Messias, o Filho de Deus.
Eles pensaram que seus compatriotas também iriam crer e seguir a Jesus. Mas a decepção foi contundente. Com exceção de alguns poucos seguidores genuínos, Jesus atraia multidões curiosas e superficiais, interessadas apenas nos sinais e maravilhas. E sofria profunda hostilidade da liderança religiosa, que queria matá-lo.
Quando chegamos no quarto capítulo do Evangelho de Marcos, os discípulos estavam cheios de questões. O ministério de Jesus já era público havia dois anos e as expectativas deles estavam totalmente frustradas. E então Jesus fala a Parábola do Solos, mais conhecida como a Parábola do Semeador.
Eles estavam se perguntando:
1) Se Jesus era realmente o Messias, por que tantos seguidores tão superficiais?
2) Por que as multidões de curiosos não se convertiam?
3) Como o Messias poderia ser rejeitado pela liderança religiosa da nação?
4) Por que Jesus não exercia logo poder para estabelecer seu reino, libertar Israel da ocupação romana e cumprir logo todas as promessas das alianças abraâmica, davídica e da nova aliança?
A mensagem de Jesus oferecia uma libertação do fardo das regras do judaísmo apóstata, mas, por outro lado, exigia duros sacrifícios radicais.
A porta estreita, o caminho apertado, negar a si mesmo, obedecê-lo até a morte, renunciar a tudo, perder a vida para ganhá-la, ser odiado pelos próprios familiares etc. era uma mensagem assustadora para as multidões superficiais.
Surgiu então a pergunta sincera: “Senhor, são poucos os que se salvam?” (Lc. 12:23). Talvez na mente deles deveria haver um questionamento: “Será que ele não poderia tornar sua mensagem mais atrativa, menos assustadora, mais amigável?”
O poder do evangelho não está no mensageiro
A moderna mensagem do evangelho, tão comum no meio cristão atual, é confusa. Ao contrário da verdadeira mensagem de Jesus e dos apóstolos, a nova e falsa mensagem busca popularidade para ser aceita. Tenta se adaptar à cultura atual. Ao invés de almejar que mundo se pareça com a igreja, é a igreja que se torna cada vez mais parecida com o mundo.
A flagrante busca de popularidade, números, crescimento etc. muda o foco da mensagem para o estilo do mensageiro. Pregadores pops são bem-vindos para atrair multidões superficiais que não suportam o verdadeiro evangelho.
O resultado é outro evangelho que não é evangelho nenhum. É apenas uma mensagem falsa criada por pregadores heréticos. Eles enchem facilmente suas igrejas de pessoas que nunca experimentaram um genuíno arrependimento.
Nunca a eficácia da mensagem do evangelho esteve nas mãos de qualquer homem. Jamais o suposto talento de um pregador pode produzir conversões verdadeiras. O poder não está no homem, mas em Deus e na sua Palavra.
A parábola dos solos (ou a parábola do semeador)
Marcos 4
3 Eis que saiu o semeador a semear.
4 E, ao semear, uma parte caiu à beira do caminho, e vieram as aves e a comeram.
5 Outra caiu em solo rochoso, onde a terra era pouca, e logo nasceu, visto não ser profunda a terra.
6 Saindo, porém, o sol, a queimou; e, porque não tinha raiz, secou-se.
7 Outra parte caiu entre os espinhos; e os espinhos cresceram e a sufocaram, e não deu fruto.
8 Outra, enfim, caiu em boa terra e deu fruto, que vingou e cresceu, produzindo a trinta, a sessenta e a cem por um.
O semeador teve pouco controle de sua plantação. Ele lançou a semente na terra e foi dormir. Ele não poderia explicar como a semente poderia germinar. Este poder não está nas mãos do semeador. Jesus deixou isso ainda mais claro na sequência:
Marcos 4
26 Disse ainda: O reino de Deus é assim como se um homem lançasse a semente à terra;
27 Depois, dormisse e se levantasse, de noite e de dia, e a semente germinasse e crescesse, não sabendo ele como.
O semeador tem que fazer sua parte, ou seja, semear. Se ele não fizer isso, deve procurar outra ocupação, pois agricultor nunca será. A ordem de semear a Palavra foi nos dada, mas o poder para a conversão de pecadores não está em nós, nossa única preocupação é pregar.
Deus quis salvar pecadores através da pregação da Palavra (Rm. 10:14-17). Temos que cumprir a ordem que Jesus nos deu (Mt. 28: 19-20; At. 1:8) e confiar os resultados a Deus, pois somente o Espírito pode dar vida (João 3:5-8).
Jesus não discutiu o estilo do semeador. Isso é irrelevante para a colheita. Em qualquer dos resultados, seja de colheita zero e colheita abundante, o semeador é o mesmo, bem como a semente.
Jesus também não sugere alterar a semente que não germinou, o problema não está na semente, mas no solo, a única variante em jogo na parábola.
A semente que cai no solo duro, pisoteado por viajantes à beira do caminho, foi devorada pelas aves. Uma referência ao coração dos líderes religiosos de Israel, completamente endurecido com autojustiça pelo sistema religioso apóstata e hipócrita.
Não há espaço para se buscar estilos de pregadores e nem de se alterar a mensagem do Evangelho para torná-la aceitável ao mundo. A mensagem do verdadeiro evangelho é única, ela não necessita ser validada pela aceitação do homem.
A semente que caiu em solo rochoso deu falsas esperanças de que poderia prosperar, mas não encontrou solo profundo e secou-se com o calor do dia. São aqueles que recebem a mensagem inicialmente com alegria (Mt. 13:20), mas tudo não passou de uma resposta emotiva ou egoísta, e morreu logo.
Houve a semente que caiu em um solo cheio de espinhos e abrolhos, teve que competir com eles para sobreviver. Mas foi sufocada e morreu. Esse é o coração de quem ama o mundo, portanto o amor de Deus não está nele (1 João 2:15, Tg. 4:6).
Esse dá um falsa profissão de fé, mas não vai adiante, porque tal profissão partiu de um coração cativo. Os pecadores rejeitam o evangelho porque odeiam a verdade que confronta seus corações entenebrecidos.
Os que procuram evangelizar mediante acomodação artificial da mensagem ao coração sufocado pelo amor ao mundo, não terá como evitar o coração dobre. Tudo que irá conseguir são pessoas com falsas confissões de fé.
Por fim, a semente que caiu na boa terra frutificou. Nem Satanás, nem o mundo e nem carne a impediram de produzir frutos. A semente foi a mesma dos outros solos, o semeador fez o mesmo que havia semeado nos outros solos, o segredo está no solo que foi adequado por Deus.
O preparo do coração para receber o Evangelho é obra do Espírito Santo. É ele quem convence (João 16:8-15), regenera (João 3:3-8) e justifica (Gl. 5:22-23). A obra no coração é domínio de Deus:
Então, aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei. Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis. (Ezequiel 36:25-27)
O verdadeiro arrependimento é sobrenatural. Não uma ilustração melhor dessa verdade do que a experiência do ladrão na cruz.
1) Humanamente falando, Jesus pendurado naquela cruz era a figura exata do fracasso total, da fraqueza, da derrota e da incapacidade de salvar a si mesmo. Ele foi rejeitado pela nação e estava ali humilhado como um dejeto da sociedade.
Jesus estava ali moribundo, sangrando e cravado numa cruz de morte, após ter sido duramente espancado e tendo o povo e seus líderes em total sarcasmo e hostilidade contra ele.
2) Mesmo diante daquela cena, o ladrão confessou sua miséria espiritual, reconheceu Jesus como o Messias, o Filho de Deus, e clamou: “Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu reino” (Lucas 23:42).
Houve um milagre da graça e da intervenção divina. Não havia ocorrido ainda as trevas sobre a terra, o véu do templo se rasgando etc. (Lc. 23:44-45) para impressionar o ladrão. Foi Deus quem operou naquele coração que foi transformado em um momento e circunstâncias tão improváveis.
Conclusões
A maravilha do evangelho é a operação do próprio Deus. Semeamos a semente ao compartilhar o evangelho e então descansamos, e o Espírito Santo opera mediante o evangelho, transmitindo vida. Não controlamos quem é salvo, pois o Espírito vai onde quer (João 3:8). E tampouco sabemos como o Espírito age. Jesus disse:
O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito. (João 3:8).
Nosso trabalho não é dar vida, mas apenas plantar a semente. Feito isto, podemos descansar no poder de Deus.
O evangelista não é chamado para tornar Cristo aceitável ao coração orgulhoso. O verdadeiro evangelho está em conflito com o desejo humano natural.
O poder do evangelho está nas mãos de Deus e não nas mãos do evangelista. Devemos evangelizar com humildade, confiando apenas no poder e na soberania de Deus. Assim poderemos transmitir a mensagem pura do evangelho.
Devemos pregar o evangelho com fidelidade. A utilidade do lavrador está ligada à quantidade de semente que semeia. Quanto mais semente espalhar, mais provável é que uma parte dela caia em boa terra. E mesmo quando a mensagem é rejeitada, o esforço do evangelista será recompensado pelo Senhor.
O evangelista deve ser impulsionado pelo poder de Deus. A mensagem da salvação continua a mover através dos que são semeadores. O evangelismo é um chamado privilegiado. Se tivermos feito bem nossa parte, podemos dormir descansados como bons lavradores, pois o resto não depende de nós.
Sintetizado do texto “Teologia do Sono”, de John MacArthur, inserido no capítulo 1 do livro “Evangelismo”, de John MacArthur, Editora Fiel.
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