O santo tem de andar só
A solidão do cristão resulta do fato de ele andar com Deus num mundo que não quer nada com Deus, um andar que o leva forçosamente para longe do companheirismo do mundo não regenerado. Seus instintos, recebidos de Deus, clamam pela companhia dos outros da sua espécie, outros que possam entender os seus anseios, as suas aspirações, a sua absorção no amor de Cristo; e porque em seu círculo de amigos há tão poucos que compartem suas experiências interiores, ele é forçado a andar só. O homem que chegou à Presença Divina numa real experiência interior não encontrará muitos que o entendam.
O homem verdadeiramente espiritual é na verdade esquisito. Ele não vive para si, mas, para promover os interesses do outro. Procura persuadir o povo a dar tudo ao Senhor, e não pede nenhuma parte, nenhuma porção para si mesmo. Deleita-se em não receber honra, mas em ver o seu Salvador glorificado aos olhos dos homens. Sua alegria é ver o seu Senhor ser o objeto de promoção e ele próprio ser esquecido. Encontra poucos que cuidam de falar daquilo que constitui o supremo objeto do seu interesse, pelo que muitas vezes fica em silêncio e preocupado no meio do ruidoso bate-papo religioso. Por isso ele ganha a reputação de ser maçante e sério demais, e assim é evitado, e o abismo entre ele e a sociedade se alarga. Procura amigos em cujas vidas possa detectar o mais profundo desejo de santidade diante do Senhor, e encontrando poucos, ou nenhum, guarda isto em seu coração.
É esta verdadeira solidão que o lança de volta a Deus. “Se meu pai e minha mãe me desampararem, o Senhor me acolherá” (Sl 27:10). Sua impossibilidade de encontrar companheirismo humano leva-o a encontrar em Deus o que não consegue em nenhuma parte. Na solidão interior aprende o que não poderia aprender em meio à multidão – que Cristo é tudo em todos, que Ele foi feito para nós sabedoria, justiça, santificação e redenção, que Nele temos e possuímos o Grande Tesouro da Vida, Cristo em nós a esperança da Glória (Col. 1:26).
A fraqueza de tantos cristãos modernos consiste em que se sentem demasiamente à vontade no mundo. Em seu esforço para conseguir repousante “ajustamento” à sociedade não regenerada, perderam seu caráter de peregrinos e se tornaram parte essencial da mesma ordem moral contra o qual fomos enviados a protestar. O mundo os reconhece e os aceita pelo que eles são. E esta é a coisa mais triste que se pode dizer deles. Não são solitários, mas também não são santos.
Os mais puros santos, são aqueles dos quais, muitas vezes, a ruidosa igreja menos ouve. A vida piedosa não é mais considerada importante, a não ser quanto aos muito velhos ou aos mais que mortos. As almas pias são abafadas no turbilhão das atividades religiosas. Os ruidosos e auto-afirmativos, os divertidos são procurados e recompensados de todos os modos, com presentes, multidões, oferendas e publicidade. Os que se assemelham a Cristo, os que se esquecem de si mesmos, os que vivem como se já estivessem no mundo por vir são empurrados para um lado para darem lugar ao último farrista convertido, geralmente não convertido muito bem e tendo muito ainda de farrista.
Toda filosofia de vista curta, que ignora as qualidades eternas e dá valor as trivialidades, é uma forma de incredulidade. Os “cristãos” que encarnam essa filosofia anseiam pela recompensa atual; são impacientes demais para esperar o tempo do Senhor. Não subsistirão no dia em que Cristo fizer conhecido o segredo do coração de todos os homens e recompensar cada um de acordo com as suas obras. O verdadeiro santo enxerga mais de longe, dá pouca importância aos valores transitórios; com os olhos postos no futuro, aguarda anelante o dia em que as realidades eternas virão aos que lhes fazem jus, e se verá que a vida santa é tudo que importa.
Estranho quanto for, as almas mais santas que já viveram ganharam a reputação de pessimistas. Sua sorridente indiferença para com as atrações do mundo e sua firme resistência às tentações que elas exercem têm sido mal compreendidas por pensadores superficiais e atribuídas a um espírito anti-social e à falta de amor à humanidade. O que o mundo não foi capaz de ver é que esses homens contemplavam uma cidade invisível, andavam dia a dia a luz de outro reino, de um reino eterno.
O cristão sábio contentar-se-á em esperar por esse dia. No dia a dia,, servirá a sua geração, segundo a vontade de Deus. Se ele for deixado de lado nas lutas por popularidade religiosa, dará a isto atenção mínima. Ele sabe a QUEM está procurando agradar e está disposto a deixar que o mundo pense dele o que quiser. De qualquer forma não estará aqui por muito tempo, e para onde ele vai, os homens não serão reconhecidos pelos valores que o mundo aprecia.
A W Tozer