O Mistério do Sofrimento

Sofrer é a norma do universo

Deus está chamando e preparando uma companheira eterna chamada a Noiva, que deve sentar-se com seu Filho no trono, na qualidade de co-regente nos séculos por vir (Ap 3.21).
A fim de qualificar-se para esta exaltada posição, os que fazem parte da Noiva devem assemelhar-se ao Filho, tanto quanto for possível o finito tornar-se parecido com o infinito.
Se quiserem qualificar-se para seus elevados deveres, devem partilhar do caráter do próprio Deus, que é amor ágape. Esta é a norma do universo, o ideal que Deus está trabalhando para implantar na ordem social eterna.
Mas essa virtude de caráter não pode ser desenvolvida na humanidade decaída sem sofrimento.

Glória e Sofrimento

Isto explica a revelação inspirada de Paulo: “Se sofrermos, também com ele reinaremos” (2 Tm 2.12). De acordo com Romanos 5.3-5, sofrimento resulta em caráter (amor ágape), e caráter é requisito indispensável ao governo.
Visto como não há desenvolvimento do caráter sem sofrimento, todos aqueles que Deus está preparando para reinar junto com seu Filho terão de passar pelo sofrimento.

O Profundo Dano da Queda

Deus declarou que Adão antes do pecado era “muito bom”, mas a Queda provocou danos fundamentais a Adão e à sua descendência. Deixou a raça centrada em si mesma. A centralidade do eu é a própria essência de todo pecado e miséria, e resulta em autodestruição.
É o âmago da hostilidade, e a hostilidade é o âmago do inferno, sua essência e marca característica. A centralidade do eu é a antítese da santidade ou do amor ágape, marca característica e essência do céu.

A Necessidade de Descentralização

A fim de trazer o indivíduo à semelhança de seu Filho, Deus precisa primeiro descentralizá-lo. A descentralização começa na crise de justificação e no novo nascimento, e continua na crise de santificação ou plenitude do Espírito Santo.
Necessariamente, não termina aí. Essas são apenas experiências iniciais, semelhantes a um vestíbulo, que é um bom lugar para se entrar, mas um pobre lugar para se permanecer.
A obra de santificação pela qual se descentraliza o eu é instantânea e ao mesmo tempo progressiva. É uma crise e também um processo que continua pela vida toda.
“Eu tenho certeza de que Deus, que começou a boa obra em vocês, continuará ajudando-os a crescer em sua graça até quando sua tarefa em vocês estiver finalmente terminada naquele dia quando Jesus Cristo voltar” ( Fp 1.6).

A Obra da Tribulação

Se o propósito de Deus em salvar o homem fosse apenas levá-lo para o céu, provavelmente ele o levaria à glória de imediato após sua conversão. Mas Deus deseja prepará-lo para sua função de governo num universo infinito que requer caráter.
O progresso na santificação, no desenvolvimento do caráter de Deus, e no amor ágape, é impossível sem tribulação e disciplina.

“E não somente isto, mas também nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança. Ora, a esperança não confunde, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado” (Rm 5.3-5).

“E já vos esquecestes da exortação que argumenta convosco como filhos: Filho meu, não desprezes a correção do SENHOR, E não desmaies quando por ele fores repreendido; Porque o Senhor corrige o que ama, E açoita a qualquer que recebe por filho. Se suportais a correção, Deus vos trata como filhos; porque, que filho há a quem o pai não corrija? Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, sois então bastardos, e não filhos. Além do que, tivemos nossos pais segundo a carne, para nos corrigirem, e nós os reverenciamos; não nos sujeitaremos muito mais ao Pai dos espíritos, para vivermos? Porque aqueles, na verdade, por um pouco de tempo, nos corrigiam como bem lhes parecia; mas este, para nosso proveito, para sermos participantes da sua santidade. E, na verdade, toda a correção, ao presente, não parece ser de gozo, senão de tristeza, mas depois produz um fruto pacífico de justiça nos exercitados por ela” (Hebreus 12: 5-11)

“Um quilômetro com o Prazer andei;
O caminho todo ele conversou,
Porém, tudo quanto disse,
Mais sábio não me deixou.
Um quilômetro com a Tristeza andei,
Sem uma palavra ao menos dizer;
Mas, ah, quanta coisa eu aprendi
Quando a Tristeza comigo andou.”

Castigo e Treinamento de Filho

Baseado nestas e em outras passagens semelhantes da Bíblia, fica claro que a tristeza, o sofrimento, a tribulação e a dor que acontecem ao cristão não constituem, antes de tudo, castigo, mas treinamento de filho.
Não são acontecimentos sem propósito. Os pais terrenos podem cometer erros na aplicação do castigo — e muitas vezes o fazem. Mas Deus, não.
Ele está preparando o crente para participar do governo de um universo tão vasto que parece infinito.

Parece que Deus não pode descentralizar totalmente o homem, muito embora nascido de novo, santificado ou cheio do Espírito Santo, sem a colaboração do sofrimento. Um irmão disse que nunca aprendemos algo novo sobre Deus, a não ser por meio de adversidade.
Alguns acham que seja uma afirmação exagerada, mas de fato parece que poucos buscam um andar mais profundo com Deus, a não ser sob a pressão da provação.

O Exemplo de Israel

A história de Israel esclarece este ponto. Na prosperidade, a nação abandonou a adoração pura de Jeová e se deu à prática de idolatria licenciosa.
Somente pelo castigo é que foi constrangida a arrepender-se e voltar para Jeová. Durante séculos, enquanto Deus buscava obter um remanescente puro para usar como instrumento para trazer o Messias, a rotina foi a mesma: prosperidade, afastamento, apostasia; castigo, arrependimento e volta para Deus; e assim, “ad infinitum” (Jz 2.11-19; 1 Sm 12. 9-10; 2 Cr 15.4; 33.12; Is 26.16).

O Exemplo do Salmista

A experiência do salmista ilustra bem: “Antes de ser afligido andava errado, mas agora guardo a tua palavra. Foi-me bom ter eu passado pela aflição, para que aprendesse os teus decretos” (Sl 119.67,71).
Quem de nós não conhece pessoas de formação cristã que andaram longe de Deus e foram trazidas de volta a ele por meio de um ataque cardíaco, de câncer, de um acidente trágico, ou de alguma outra severa aflição?

O Exemplo de Cristo

Um dos mais surpreendentes comentários sobre a finalidade do sofrimento na economia divina acha-se em Hebreus 2.10: “Porque convinha que aquele, por cuja causa e por quem todas as cousas existem, conduzindo muitos filhos à glória, aperfeiçoasse por meio de sofrimentos o Autor da salvação deles.” “Embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas cousas que sofreu” (Hb 5.8).

No caso de Cristo, segundo Alexandre Maclaren em sua Exposição de Hebreus (p. 234), “não foi um aperfeiçoamento de caráter moral, mas a complementação de sua preparação para a obra de Líder e Autor de nossa salvação. Antes de sofrer ele tinha a compaixão de Deus. Depois de sofrer tinha a compaixão de um homem.”

O Comentário do Novo Testamento e da Bíblia de Wycliffe (p. 909), diz: “Pelo sofrimento, sua experiência humana se fez completa… Pelo fato de ter sofrido, agora está qualificado para servir como autor (archegos, capitão, líder) da salvação do homem.”
Se os “muitos filhos” que Cristo veio para conduzir à glória e ao governo tinham de ser preparados e aperfeiçoados para essa glória mediante o sofrimento, seu Capitão precisava abrir o caminho aperfeiçoando sua experiência humana do mesmo modo. O fato de que a experiência humana de Cristo teve de ser aperfeiçoada pelo sofrimento prova que nenhum sofrimento vem sem propósito, mas é parte essencial da economia divina.

Importância do Quebrantamento

O sofrimento de Cristo só amadureceu e aperfeiçoou sua experiência humana. Não purificou nada de sua natureza moral mesmo como homem, porque não fazia parte da humanidade decaída. Nenhuma nódoa de pecado jamais desfigurou sua humanidade.
Isto não ocorre com os demais homens decaídos. Não há como formar-se nestes homens um caráter semelhante ao de Cristo sem sofrimento, porque não há outra forma de descentralizá-los.
A pessoa que não quer sofrer; que resolve fugir do sofrimento; que não permite que sua vida natural e seu ego sejam levados à cruz; nesta mesma medida continuará dura, centrada em si mesma, sem quebrantamento, e portanto sem transformação à semelhança de Cristo.

“Homens intactos, inteiros, e sem quebrantamento são de pouca utilidade para Deus” (J. R. Miller). Por sua própria decisão, uma pessoa pode escapar de uma certa dimensão da dor, especialmente daquela que acompanha o sacrifício voluntário de si mesmo, mas ao fazê-lo, torna-se vítima de uma dor muito maior, que é de adorar a si mesmo. Não se pode escapar de ambas. Alguém disse: “Há coisas que o próprio Deus não pode fazer por nós, a não ser através do sofrimento”.

Paul E. Bilheimer

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