Cristo – Nosso exemplo de obediência
“Assim, também, por meio da obediência de um único homem muitos serão feitos justos” (Rm 5:19). Estas palavras nos revelam o que recebemos graças à obra de Cristo. Da mesma forma como o fato de estarmos em Adão nos torna pecadores (Rm 5:12), por estarmos em Cristo somos feitos justos (Rm 5:17).
Essas palavras também nos revelam exatamente o que é em Cristo que nos torna justos. Assim como a desobediência de Adão nos deu a natureza de pecador, a obediência de Cristo nos faz justos (Hb 4: 14-16). Nós devemos tudo à obediência de Cristo.
Entre todos os tesouros da nossa herança em Cristo, este é um dos mais ricos. Quantas pessoas nunca o estudaram, a tal ponto de amá-lo e se deleitar nele, e assim obter dele a bênção completa!
Ao estudarmos o papel da obediência de Cristo na sua obra para nos salvar, veremos nela a verdadeira raiz da nossa redenção (Atos 2: 22-24, 32-33) e saberemos dar-lhe o devido lugar no nosso coração e na nossa vida. “…por meio da desobediência de um só homem muitos foram feitos pecadores” (Rm 5:19) Como foi isso?
A única coisa que Deus pediu a Adão no paraíso foi obediência (Gen 3:11). A única coisa através da qual uma criatura pode glorificar a Deus ou gozar do seu favor e sua bênção é a obediência (I Ped 1:2, 14-16). A única causa do poder que o pecado conseguiu no mundo e da ruína que ele desencadeou – é a desobediência. Toda a maldição do pecado que recai sobre nós é devido à desobediência a nós imputada. Todo o poder do pecado que opera em nós nada mais é que isto: que ao recebermos a natureza de Adão, herdamos também a sua desobediência e, conseqüentemente, nascemos já como “filhos da desobediência” (Ef 2: 1-3).
É evidente que a única obra para a qual seria necessário que Cristo viesse era, precisamente, remover essa desobediência – com sua maldição, seu domínio, sua natureza e suas obras más. A desobediência é a raiz de todo pecado e miséria. O primeiro objetivo da sua obra salvadora foi cortar de vez a raiz do mal e restaurar o homem para o seu destino original: uma vida em obediência ao seu Deus (Tito 2: 3-7).
Como Cristo Fez Isso?
Em primeiro lugar, ele o fez vindo como o segundo Adão para desfazer o que o primeiro tinha feito (I Cor 15: 45-47). O pecado nos fez acreditar que era uma humilhação sempre ter que buscar e fazer a vontade de Deus. Cristo veio para nos mostrar a nobreza, a bênção, o caráter celestial da obediência (João 4:34).
Quando Deus nos deu o manto de criatura para usar, não sabíamos que sua beleza, sua pureza imaculada, era a obediência a Deus. Cristo veio e vestiu aquele manto para nos mostrar como usá-lo e como, através dele, podíamos entrar na presença e glória de Deus. Cristo veio para vencer e, assim, carregar para longe nossa desobediência, substituindo-a com sua própria obediência sobre nós e em nós. O poder da obediência de Cristo seria tão universal, tão poderoso e tão profundamente arraigado quanto a desobediência de Adão – sim, e muito mais ainda!
O objetivo da vida de obediência de Cristo era triplo: 1. Como um exemplo, para mostrar-nos o que é a verdadeira obediência (I Ped 2:21); 2. Como nossa garantia, satisfazendo pela sua obediência toda a exigência da justiça divina por nós (II Cor 5:21); 3. Como nossa Cabeça, para preparar uma natureza nova e obediente a ser comunicada para nós (Ef 1:22; 4:15);
Obediência é Salvação
Cada pessoa que quiser compreender plenamente o que é obediência deve considerar bem o seguinte: é a obediência de Cristo que é o segredo da justiça e da salvação que encontro nele. A obediência é a verdadeira essência dessa justiça: obediência é salvação (Mat 7: 21-23). Em primeiro lugar, preciso aceitar, confiar e regozijar-me na obediência de Cristo para cobrir, engolir e aniquilar terminantemente toda minha desobediência. Essa precisa ser a base inabalável, invariável, jamais esquecida, da minha aceitação por Deus (João 14:21). E, depois, a obediência dele torna-se o poder de vida da nova natureza em mim – assim como a desobediência de Adão era o poder que me governava até então.
A minha sujeição à obediência é a única maneira que posso manter a minha relação com Deus e com a justiça (Hb 3: 6-18). A obediência de Cristo à justiça é o único começo de vida para mim; minha obediência à justiça é sua única continuação. Há somente uma lei para a cabeça e para os membros (I Jo 2: 6). Tão certamente como a desobediência e a morte foram a lei para Adão e sua semente, a obediência e a vida o são para Cristo e sua descendência.
O único vínculo, a única marca de semelhança, entre Adão e a sua semente é a desobediência. O único elo de ligação entre Cristo e sua semente, a única marca de semelhança, é a obediência (Ef 4: 17-24).
Examine a Obediência de Cristo
Em Cristo, essa obediência era um princípio de vida. A obediência para ele não era um ato individual de obediência de vez em quando, nem mesmo uma série de atos, mas o espírito de toda sua vida. “Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” (João 6:38). Ele veio ao mundo com um único propósito. Ele vivia somente para fazer a vontade de Deus. O poder supremo, a força mestre de toda sua vida, era a obediência.
Ele deseja produzir o mesmo em nós. Foi isso que prometeu quando disse: “Porque, qualquer que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, este é meu irmão, e irmã e mãe” (Mat 12:50).
O vínculo dentro de uma família é a vida comum compartilhada por todos e uma semelhança familiar. O elo entre Cristo e nós é que ele e nós juntos fazemos a vontade de Deus (Col 1: 18-22).
Em Cristo, essa obediência era uma alegria. “Deleito-me em fazer a tua vontade, ó Deus” (Salmo 40:8); “A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou, e realizar a sua obra” (João 4:34).
Nossa comida é refrigério e revigoramento. O homem saudável come seu pão com alegria. Mas comida é mais do que prazer – é uma necessidade vital. Da mesma forma, fazer a vontade de Deus era a comida da qual Cristo sentia fome e sem a qual ele não podia viver. Era a única coisa que satisfazia sua fome, que o refrescava, o fortalecia e o tornava feliz.
Em Cristo, essa obediência levava a uma espera pela vontade de Deus . Deus não revelou toda a sua vontade a Cristo de uma só vez e, sim, dia a dia, de acordo com as circunstâncias da ocasião. Na sua vida de obediência, havia crescimento e progresso; a lição mais difícil veio por último. Cada ato de obediência o preparava para a nova descoberta do próximo comando de Deus. Ele disse: “Porque eu não tenho falado de mim mesmo; mas o Pai, que me enviou, ele me deu mandamento sobre o que hei de dizer e sobre o que hei de falar” (João 12:49). .”
É quando a obediência se torna a paixão da nossa vida que nossos ouvidos serão abertos pelo Espírito de Deus para aguardar os seus ensinamentos, e não nos contentaremos com nada menos que uma orientação divina para nos conduzir à vontade de Deus para nós.
Em Cristo, essa obediência foi até a morte. Quando ele disse: “Eu não vim para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou”, ele estava pronto para ir às últimas consequências para negar a sua própria vontade e fazer a vontade do Pai. Ele não estava brincando. Em nada a sua vontade; a todo custo a vontade de Deus.
“De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz”
Fp. 2: 5-8
Esta é a obediência para a qual ele nos convida e nos capacita. Essa entrega de coração à obediência em tudo é a única verdadeira obediência, a única força capaz de nos levar à vitória. Quem dera que os cristãos compreendessem que nada menos do que isso é o que traz alegria e força para a alma!
Em Cristo, essa obediência nascia da mais profunda humildade. “…esvaziou-se a si mesmo… tomou a forma de servo… humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte.”
Ao homem que está disposto a se esvaziar por completo, a se tornar e a viver como servo, “um servo obediente”, a se humilhar profundamente diante de Deus e dos homens – é para este homem que a obediência de Jesus descortinará toda sua beleza celestial e seu poder constrangedor (Tg 4:10; I Pe 5:6).
Pode ser que haja em nós uma vontade muito forte que secretamente confia em si mesmo e que falha nos seus esforços para obedecer. É quando caímos cada vez mais baixo diante de Deus em humildade, em mansidão, em paciência, em total resignação à sua vontade, dispostos a nos curvar em absoluta incapacidade e dependência dele, que nos será revelado que a única obrigação e bênção de uma criatura é obedecer a este glorioso Deus!
Em Cristo, essa obediência provinha da fé – em total dependência da força de Deus. “Eu não faço nada por mim mesmo.” “O Pai que está em mim é quem faz as obras.”
A resposta à entrega sem reservas do Filho à vontade do Pai foi a concessão ininterrupta e irrestrita pelo Pai de todo o seu poder para operar nele.
Assim também será conosco. Se aprendermos que a proporção em que desistirmos da nossa própria vontade será sempre a mesma medida da concessão do seu poder a nós, veremos que uma rendição à obediência total nada mais é que uma fé completa de que Deus haverá de operar tudo em nós.
Vamos fixar a nossa atenção em Cristo, examinando-o como servo obediente e confiando nele como nunca antes. Seja este o Cristo que recebemos e amamos, e com quem procuramos nos parecer. Como a sua justiça é a nossa esperança, deixemos que a sua obediência seja nosso único desejo. Que nossa fé nele, com sinceridade e confiança no poder sobrenatural de Deus operando em nós, aceite Cristo, o obediente, verdadeiramente como nossa vida, aquele que habita em nós.
“E chamando a si a multidão, com os seus discípulos, disse-lhes: Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me”.
Marcos 8: 34
Andrew Murray (1828-1917)