Soberania de Deus e Responsabilidade Humana

Em João 3:1-10 vimos o diálogo de Jesus com Nicodemos nos 10 primeiros versos, onde Jesus lhe falou sobre o novo nascimento, ou nascimento do alto. Falamos sobre o novo nascimento, o nascer do alto, que é uma obra de Deus, uma obra de Sua soberana graça e poder. É uma obra única e unilateral de Deus.

João 3
1 Havia, entre os fariseus, um homem chamado Nicodemos, um dos principais dos judeus.
2 Este, de noite, foi ter com Jesus e lhe disse: Rabi, sabemos que és Mestre vindo da parte de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver com ele.
3 A isto, respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.
4 Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, voltar ao ventre materno e nascer segunda vez?
5 Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus.
6 O que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito.
7 Não te admires de eu te dizer: importa-vos nascer de novo.
8 O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito.
9 Então, lhe perguntou Nicodemos: Como pode suceder isto? Acudiu Jesus:
10 Tu és mestre em Israel e não compreendes estas coisas?

Não é uma obra mista, em que Deus participa com o homem. Não é algum tipo de união entre o poder e vontade do homem e o poder e vontade de Deus. É uma obra monergística e unilateral de Deus. É uma obra singular, pela qual Ele desce do Céu e, irresistivelmente, faz um chamado eficaz ao coração do pecador, o chama para Si mesmo, regenera esse pecador e, então, justifica-o, santifica-o e o glorifica. Isso é uma obra de Deus. Assim como você não participou de seu nascimento físico, assim também não participou do seu nascimento espiritual. É uma obra de Deus. Um milagre divino.

Vimos o diálogo entre Jesus e Nicodemos, nos versos 1 a 10. O nosso Senhor continuou falando com Nicodemos, mas não mais apenas com Nicodemos. Porque, como você vê a partir do verso 11, os pronomes estão no plural, quando Ele fala: “Eu vos digo”. Então, a conversa se estende de Nicodemos para alguém mais que estivesse ali ouvindo e para qualquer outro que estivesse lendo sobre isso.

A conversa apenas com Nicodemos termina no verso 10, e Nicodemos não tem nada mais a dizer. Mas Jesus continua falando nos versos 11 ao 21, e eu quero que você note a ênfase aqui: “Na verdade, na verdade te digo que nós dizemos o que sabemos e testificamos o que vimos, e não aceitais o nosso testemunho”. Isso indica que Nicodemos não aceitou o que Jesus falou sobre o novo nascimento. Isso foi uma autópsia naquela parte da conversa: “Você não aceitou o que falei”. Isso explica a ignorância, nos versos 9 e 10.

Nicodemos não entende: “Como pode ser isso?” e Jesus diz: “Tu és mestre em Israel e não sabes isso?”. A razão pela qual ele não entendeu é a ignorância, que é fruto da incredulidade. Ele não era um crente: “E não aceitais o nosso testemunho”. E Jesus continuou dizendo:

João 3
11 Em verdade, em verdade te digo que nós dizemos o que sabemos e testificamos o que temos visto; contudo, não aceitais o nosso testemunho.
12 Se, tratando de coisas terrenas, não me credes, como crereis, se vos falar das celestiais?
13 Ora, ninguém subiu ao céu, senão aquele que de lá desceu, a saber, o Filho do Homem [que está no céu].
14 E do modo por que Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado,
15 para que todo o que nele crê tenha a vida eterna.
16 Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.
17 Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele.
18 Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus.
19 O julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas obras eram más.
20 Pois todo aquele que pratica o mal aborrece a luz e não se chega para a luz, a fim de não serem arguidas as suas obras.
21 Quem pratica a verdade aproxima-se da luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque feitas em Deus.

Nos 10 primeiros versos, “nascer de novo” aparece 5 vezes, falando daquela divina, sobrenatural, soberana, milagrosa e graciosa obra de regeneração feita por Deus. Esse foi o tema dos versos de 1 a 10 de João 3. Agora, a palavra “crer” aparece 7 vezes no nosso texto. O tema aqui é a fé. E assim, identificamos esta mensagem esta manhã como “Sola Fide” (somente a fé). Os cinco solas da reforma são:

1. Sola scriptura (somente a Escritura): A Bíblia é a única palavra autorizada e inspirada por Deus, é a única fonte para a doutrina cristã, sendo acessível a todos. Ela não precisa de complementações de qualquer estrutura religiosa, seja de qual natureza for.

2. Solus Christus (somente Cristo): Cristo é o único mediador entre Deus e a humanidade, e não há salvação através de nenhum outro. Maria – e nem qualquer outro nome – tem qualquer papel na obra redentora. Não crer na suficiência de Cristo é uma blasfêmia contra Deus.

3. Sola gratia (somente a graça): A salvação vem por graça divina ou “favor imerecido” apenas, e não como algo merecido pelo pecador através de obras. Isso significa que a salvação é um dom imerecido que o pecador recebe de Deus, por causa de Jesus. Isto se opõe totalmente ao mérito de obras aceito por diversas religiões, inclusive o catolicismo. O homem, por si mesmo, nunca voltaria para Deus em contrição verdadeira. A salvação é uma operação da graça e soberania de Deus.

4. Soli Deo Gloria (A glória somente a Deus): Toda a glória é devida somente a Deus, uma vez que a salvação é efetuada exclusivamente através de Sua vontade e ação. Não só o dom da expiação de Jesus na cruz, mas também o dom da fé criada no coração do crente pelo Espírito Santo.

5. Sola fide (somente a fé): A salvação é recebida somente pela fé, sem qualquer interferência do esforço humano [a fé salvadora é sempre evidenciada pelas boas obras, mas as boas obras jamais são méritos para salvação]. A fé verdadeira nos leva a enxergar toda a glória e santidade de Deus. Essa fé opera um milagre de frutos espirituais.

Então, vamos olhar para o “sola fide”, o aspecto da salvação que declara que o homem é salvo por fé somente, não por fé e obras, mas é pela graça que você é salvo pela fé, e não pelas obras. Efésios 2:8-9 fala sobre isso, que ninguém é salvo pelas obras, mas somente por fé. Romanos 3 [v.20]: “nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei…“, Romanos 4, que diz que pela fé Abraão foi justificado, e não por obras. Romanos 10, que diz que será salvo quem crer na ressurreição de Cristo e reconhecer Seu senhorio.

A Palavra de Deus é bem clara nisso. Eu li anteriormente, em Hebreus 10, uma declaração do Antigo Testamento: “O justo viverá pela fé”, ou seja, justificação vem pela fé, e fé somente. E todos nós conhecemos algo histórico nisso. Essa foi a grande verdade difundida por Martinho Lutero, que lançou a Reforma. Lutero funcionou como um gatilho para que a Reforma se espalhasse. Ela rugiu contra a Igreja Católica, dando origem ao protestantismo, assim chamado como um protesto contra o catolicismo.

Com a Reforma, o verdadeiro evangelho foi recuperado. Salvação vem pela fé somente. Não pela fé mais as obras. Por fé somente. É essa a mensagem em João, versos 11 ao 21. Ele [Jesus] está falando com Nicodemos, mas ao mesmo tempo usando pronomes no plural, “Eu digo a vós”, Isso é, para qualquer um que estivesse lá com Nicodemos, até mesmo os discípulos. “E eu digo a todos que lerem isso que vocês serão salvos apenas pela fé”. Verso 15: “Para que todo aquele que nele crê tenha a vida eterna”. Verso 16: “…para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” Verso 18: “Quem crê não é condenado…”. É sobre crer. É sobre fé e somente fé. Isso é consistente com o objetivo de João com seu Evangelho: “para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (João 20:31).

Mas, o mais fascinante nisso é que Jesus está falando com um incrédulo. Ele está falando com um homem que está em uma religião defeituosa, herética e apóstata. Jesus está desejando trazer aquele homem ao conhecimento da verdade e, consequentemente, ele diz três vezes, nessa conversa: “Na verdade, na verdade…”, que é uma forma de dizer: “Em contraste a todo o erro que enche sua mente, erro que você aprendeu e então, como mestre de Israel, ensinou, eu quero te dizer a verdade. E a primeira verdade que eu quero que você entenda é que a salvação é uma obra divina, que Deus faz do Céu para baixo, que não depende de você.” Nós vimos isto. Está bastante claro nos versos 1 a 10.

E então, sem nenhuma explicação, sem nenhuma transição, o nosso Senhor inicia a segunda parte da conversa, transformando-a em um monólogo e diz: “Qualquer que crer pode ser salvo” e explica isso nestes versículos. Então, de um lado, temos a doutrina da soberania de Deus, e por outro lado, a doutrina da fé humana ou da responsabilidade humana. Há avisos que eu acabei de ler para vocês. Se você não crer, você será condenado, se você não crer, você será julgado, ou seja, se você não crê, você é responsável pela sua incredulidade, você será considerado culpado e será punido. Essa é a responsabilidade humana.

Consequentemente, você precisa crer, e crendo no Senhor Jesus, o Filho de Deus, você não vai perecer. Você terá vida eterna. Então, aqui está a responsabilidade humana, tanto negativamente quanto positivamente. Você sofrerá todo o peso do julgamento, se você se recusar a crer. Por outro lado, se você crer, vida eterna te aguarda, não importando quem você seja.

Então temos, bem claro, a apresentação da salvação soberana nos versos 1 a 10, como uma parte das Escrituras, e exatamente no lado oposto, temos uma clara apresentação da responsabilidade humana. E a pergunta é: Como estas duas verdades andam juntas Eu tenho respondido perguntas ao longo dos anos em todos os lugares que fui, e uma das perguntas que me fazem é: “Como pode a salvação ser uma obra exclusiva de Deus e eu ser responsável por crer ou não crer? Como estas duas coisas andam juntas?”

Agora, primeiramente gostaria de dizer isto a você: em geral, pessoas que evangelizam evitaram falar dessa questão, supondo que nem mesmo aqueles que são cristãos há muito tempo gostam de se deparar com essa questão. Eles estariam fazendo de tudo para mantê-los longe deste assunto. Mas isso é exatamente o oposto do que Jesus fez. Jesus, falando com um incrédulo, apresenta as duplas verdades paralelas da soberania divina e da responsabilidade humana, e Ele faz isso bem no começo da conversa.

Jesus introduz sua conversa com Nicodemos deixando bem claro para ele que a salvação é uma obra de Deus, apenas uma obra de Deus, mas o homem será responsabilizado se não crer. Você é chamado a crer, e se você crer terá a vida eterna. Essas são verdades gêmeas que são paralelas.

Retas paralelas são retas que nunca se cruzam, elas sempre mantêm a mesma distância uma da outra. O ser humano não pode entender como essas verdades caminham paralelamente. Essa incapacidade de harmonizar tais verdades é um reflexo da queda. As pessoas me perguntam o tempo todo: “Como você harmoniza a soberania de Deus e a responsabilidade do homem?” E minha resposta é: “Eu não posso.” Elas não podem ser harmonizadas na mente humana.

Nós temos uma mente insignificante, somos insignificantes em comparação com a mente infinita, vasta e ilimitada de Deus. Tudo o que posso dizer é que, na Palavra de Deus, essas verdades correm paralelas. E a resposta é acreditar nas duas com todo o seu coração. A soberania divina motivará sua adoração e a responsabilidade humana motivará seu evangelismo.

Então, como devemos entender essas coisas? São verdades paralelas, ambas são verdadeiras. Qualquer um que tentar harmonizá-las destruirá uma ou outra, ou as duas. Você não pode alterá-las e não pode mexer com elas. Você deve se contentar em crer nas duas.

Eu não consigo harmonizar essas duas verdades. Não consigo responder ao aparente paradoxo. Então, o que me resta? Quero deixar você confortável com sua incapacidade de não entender. Quero que você fique completamente feliz por não ter entendido. Apenas descanse e pare de lutar contra sua incapacidade. Fique confortável com o fato de que você pode não entender coisa alguma. Eu sei que isso é uma afronta ao orgulho humano. Mas, supere o orgulho e contente-se em aceitar que você é limitado.

Agora, eu quero que você entenda que quando a Bíblia lida com essas verdades, ela não as explica. Não é autoconsciente. Ela não se esforça para fazer explicações. Essas verdades são declaradas nas Escrituras como realidades paralelas, e nunca são realmente explicadas ou harmonizadas, porque ambas existem. E o fato de não podermos entendê-las nos deixa apenas com uma opção: crer nas duas e nos contentar com isso.

Deus nos mostra essas verdades de maneira surpreendente. Deus tem vontade e fará Sua vontade. Tudo o que Ele se propõe a fazer, Ele faz. A vontade do Senhor não pode ser frustrada. Ele é absolutamente soberano. Ele faz o que quer em toda a história. Esse aspecto da soberania de Deus é claramente revelado em toda a Escritura.

Em Isaías 10, há uma ilustração muito interessante de como isso se associa à responsabilidade do homem. Deus apresenta a Assíria, a nação da Assíria, o povo da Assíria. Ele apresenta essa nação pagã e idólatra de uma maneira muito interessante. O verso 5 diz: “Ai da Assíria, cetro da minha ira! A vara em sua mão é o instrumento do meu furor”. Um julgamento está chegando sobre a Assíria. No original hebraico, esse “ai” é uma palavra que expressa terrível angústia, que significa destruição e julgamento. Deus vai destruir a Assíria. Deus trará julgamento sobre a Assíria. E no verso 6, Deus diz:

Envio-a contra uma nação ímpia e contra o povo da minha indignação lhe dou ordens, para que dele roube a presa, e lhe tome o despojo, e o ponha para ser pisado aos pés, como a lama das ruas.

Deus disse que iria julgar a Assíria, mas a identifica como o bastão de Sua ira e de Sua indignação. Em outras palavras, a Assíria é uma arma nas mãos de Deus. Deus está pegando a Assíria como uma arma, a fim de usa-la para desencadear Sua ira.

Contra quem o Senhor usará a Assíria como arma de Sua ira? “Contra o povo de Sua indignação”. Essa é uma designação triste, porque Ele está falando sobre Israel. Deus usou a Assíria como arma destruidora contra um Israel apóstata e idólatra. E foi o que Ele fez. A Assíria foi a arma de Deus.

Então, a Assíria invadiu o reino do norte no ano de 722 antes de Cristo, levou Israel cativo, fez um massacre e nunca mais as dez tribos que formavam o reino do norte voltaram do cativeiro. A Assíria foi a arma. No verso 6 diz: “para que dele roube a presa, e lhe tome o despojo, e o ponha para ser pisado aos pés, como a lama das ruas”. E foi exatamente isso que aconteceu. Então, você chega ao versículo 7, o mais interessante:

Mas não é o que eles pretendem, não é o que têm planejado; antes, o seu propósito é destruir e dar fim a muitas nações.

Ou seja, em outras palavras, Deus está dizendo: “Vou usar a Assíria contra Israel, mas esse não é o plano dela, não é isso que a Assíria planejou fazer, sou Eu que estou escolhendo a Assíria para fazer isso. Esse não é o seu plano, embora ela tenha como propósito destruir muitas nações”. A Assíria tinha como alvo outras nações, algumas delas estão no verso 9. Ou seja, a Assíria tinha seu plano, mas Deus tinha outro plano, e assim, a Assíria executou o plano de Deus. Ela foi uma arma de Deus contra Israel.

Bem, isso é incrível. A Assíria não tinha intenção de atacar Israel. Deus, literalmente, soberanamente pega os assírios e os leva a Israel para realizar Sua vontade. E Deus disse, no verso 5: “Ai da Assíria, a vara do meu furor, em cujas mãos está o bastão da minha ira!”. A Assíria tinha seus próprios planos. Deus tinha planos diferentes. Mas a Assíria seria destruída. E continua dizendo:

Isaías 10
12 Por isso, acontecerá que, havendo o Senhor acabado toda a sua obra no monte Sião e em Jerusalém, então, visitarei o fruto do arrogante coração do rei da Assíria e a pompa da altivez dos seus olhos.
15 Porventura, gloriar-se-á o machado contra o que corta com ele? Ou presumirá a serra contra o que puxa por ela? Como se o bordão movesse aos que o levantam ou a vara levantasse o que não é um pedaço de madeira!
16 Pelo que o Senhor, o Senhor dos Exércitos, fará definhar os que entre eles são gordos e, debaixo da sua glória, ateará um incêndio, como incêndio de fogo.

Incrível! Deus castiga uma nação por fazer o que Ele a escolheu e a fez fazer. Não há explicação. Não há como harmonizar essas coisas. A responsabilidade total pelo orgulho recaiu sobre o rei da Assíria. A responsabilidade total por más intenções e massacres recaiu sobre a Assíria. Embora os assírios estivessem agindo por decreto divino, eles tinham total responsabilidade pelo que fizeram.

Isso é uma ilustração dessas realidades paralelas: responsabilidade humana e soberania divina. E elas sempre correrão paralelas, e sempre terão que ser entendidas dessa maneira. Os pecadores assumem todo o peso da responsabilidade por seus atos de desafio a Deus, mesmo quando Deus os está usando para realizar Seus propósitos. E, no entanto, todas as coisas são decretadas e determinadas por Deus quanto ao seu fim final.

Vamos ao Novo Testamento, por um momento. Mateus 11:27 diz:

Todas as coisas me foram entregues por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar.

Esse é um versículo sobre soberania divina. O único que conhece o Filho é o Pai e aquele a quem o Filho deseja revelá-Lo. Você não pode conhecer a Cristo se Ele não deseja que você conheça a Ele. Mas, no verso 28, Jesus diz:

Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.

Como pode ser? Ele disse que ninguém pode vir a Ele, a menos que Ele queira. Como você explicaria isso? Essa aparente contradição está em toda a Bíblia. São duas realidades paralelas, duas verdades gêmeas. Por um lado, o propósito soberano de Deus; por outro lado, uma oferta aberta: “Vinde a mim todos os que estão cansados e sobrecarregados.”

Você tem essa firme afirmação de que ninguém pode conhecer a Cristo, a menos que isso lhe seja revelado do alto. E então, você tem um apelo imediato do coração de Cristo para que todos venham. Veja outro exemplo:

João 6
35 E Jesus lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede.

36 Mas já vos disse que também vós me vistes, e contudo não credes.
37 Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora.
38 Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou.
39 E a vontade do Pai que me enviou é esta: Que nenhum de todos aqueles que me deu se perca, mas que o ressuscite no último dia.
44 Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia.

O verso 35 é um daqueles “quem quiser”. No verso 36, Jesus disse que Eles viram suas obrar e não creram. Ou seja, “o problema de vocês é que vocês Me viram, testemunharam Minhas obras e ouvirem Meus ensinos, mas não creram…”, então Jesus imputou a eles a responsabilidade da incredulidade deles.

No verso 37, Jesus começa a falar de outra verdade, daquela que anda em paralelo com a responsabilidade do homem. Ele trata da soberania de Deus em chamar o pecador a quem Ele escolheu. Ele disse que todos aqueles que o Pai lhe deu virão a Ele. Todos, sem exceção. No verso 39, Ele disse que é a vontade do Pai que nenhum de todos aqueles que o Pai Lhe deu se perca. E no verso 44, Jesus reforça que “ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer”. Então não depende do homem querer, mas do Pai o levar a Cristo.

Jesus vai da soberania divina à responsabilidade humana. Trata do novo nascimento e da regeneração como obras de Deus. O Pai escolhe a quem quer, o Pai chama Seus escolhidos, o Pai os dá ao Filho, o Filho os recebe, o Filho os guarda e não deixa que se percam. Esse é o lado da soberania divina. Jesus simplesmente se move facilmente para a responsabilidade do homem em crer, para que possa ter a vida eterna. Ele continua:

João 6
57 Assim como o Pai, que vive, me enviou, e igualmente eu vivo por causa do Pai, também quem de mim se alimenta viverá por mim.
63 O Espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita. As palavras que eu lhes tenho falado são espírito e são vida.

Ele está falando sobre a regeneração, o novo nascimento. É o mesmo que Ele diz a Nicodemos em João 3:1 a 10, o nascimento do alto, o Espírito que dá vida. No verso 64, Jesus diz: “Mas há descrentes entre vocês”. E no verso 65, Ele completa: “por causa disto é que falei para vocês que ninguém poderá vir a mim, se não lhe for concedido pelo Pai”. Os versos 66 a 71 dizem:

João 6
66
Diante disso, muitos dos seus discípulos o abandonaram e já não andavam com ele.

67 Então Jesus perguntou aos doze: — Será que vocês também querem se retirar?
68 Simão Pedro respondeu: — Senhor, para quem iremos? O senhor tem as palavras da vida eterna,
69 e nós temos crido e conhecido que o senhor é o Santo de Deus.
70 Então Jesus lhes disse: — Não é fato que eu escolhi vocês, os doze? Mas um de vocês é um diabo.
71 Ele se referia a Judas, filho de Simão Iscariotes, porque este, sendo um dos doze, era quem o haveria de trair.

A partir da escolha soberana de Deus, a revelação soberana do Pai e do Filho, a obra soberana do Espírito que dá vida, alguém poderá crer. Essas verdades estão lado a lado nas Escrituras, em todos os lugares. Duas verdades paralelas a serem afirmadas, embora não possam ser totalmente compreendidas.

No segundo capítulo do livro de Atos, há outra dessas ilustrações. Pedro está pregando no dia de Pentecostes e condena os judeus por terem rejeitado Cristo e O crucificado. Ele diz:

Atos 2
22 Varões israelitas, escutai estas palavras: A Jesus Nazareno, varão aprovado por Deus entre vós com maravilhas, prodígios e sinais, que Deus por ele fez no meio de vós, como vós mesmos bem sabeis;
23 a este que vos foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus, tomando-o vós, o crucificastes e matastes pelas mãos de injustos;

A morte de Jesus na cruz foi um plano predeterminado de Deus, mas isso não isentou a responsabilidade dos judeus e dos gentios. Os judeus foram responsabilizados pela incredulidade e por agirem contra o Messias, mas tudo foi uma consumação de um plano predeterminado de Deus. A ação soberana de Deus não isentou de responsabilidade aqueles que rejeitaram Jesus e tiraram Sua vida. No quarto capítulo, isso fica ainda mais claro:

Atos 4
27 Porque, verdadeiramente, contra o teu santo Filho Jesus, que tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel,
28 para fazerem tudo o que a tua mão e o teu conselho tinham anteriormente determinado que se havia de fazer.

Então, ali, judeus, romanos, Pilatos, Herodes, todos envolvidos na execução de Jesus, estavam realizando um ato fruto de uma terrível iniquidade e incredulidade, mas, no entanto, estavam executando o propósito predestinado por Deus. Essas são verdades paralelas.

O Antigo Testamento profetizou a traição de Jesus, profetizou Judas. O Novo Testamento registra o fato de que Judas agiu para que se cumprisse a profecia, ou seja, um amigo próximo levantaria a sua mão contra o Messias. Foi ordenado por Deus que Judas seria um traidor. Jesus disse:

João 17
12 Estando eu com eles no mundo, guardava-os em teu nome. Tenho guardado aqueles que tu me deste, e nenhum deles se perdeu, senão o filho da perdição, para que a Escritura se cumprisse.

No entanto, isso não isentou Judas de sua responsabilidade:

Atos 1
25 Para que tome parte neste ministério e apostolado, de que Judas se desviou, para ir para o seu próprio lugar.

Esses são exemplos de quão consistentemente as Escrituras colocam essas verdades paralelas, sem misturá-las e mantendo ambas intactas.

Vejamos Romanos 9, 10 e 11. Nos capítulos 1 a 8 da carta aos Romanos é apresentado o evangelho em toda a sua beleza, nuances e aspectos. Antes do capítulo 9, Paulo apresenta a justificação pela graça através da fé. Ele falou do plano redentor, da salvação. E então, ele passa a responder a pergunta sobre onde o judeu se encaixa nisso tudo. Ele diz:

Romanos 9
1 Em Cristo digo a verdade, não minto (dando-me testemunho a minha consciência no Espírito Santo):
2 tenho grande tristeza e contínua dor no meu coração.
3 Porque eu mesmo poderia desejar ser separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que são meus parentes segundo a carne;
4 que são israelitas…

Então, aqui está o problema de Paulo. Ele entende o evangelho. Ele revelou as glórias do evangelho, e está olhando para seu povo, sua nação Israel, e seu coração está quebrado, ao ponto de quase desistir de sua própria salvação, se assim Israel pudesse ser salvo. O mesmo ocorre no capítulo 10, versículo 1: “Irmãos, o bom desejo do meu coração e a oração a Deus por Israel é para sua salvação”, Romanos 10:1. A mesma atitude. No capítulo 11, ele diz:

Romanos 11
1 Digo, pois: porventura, rejeitou Deus o seu povo? De modo nenhum! Porque também eu sou israelita, da descendência de Abraão, da tribo de Benjamim.
2 Deus não rejeitou o seu povo, que antes conheceu…

Então, o que você tem aqui é a paixão de Paulo de que esse glorioso evangelho que ele desdobrou seja aplicado a Israel. Agora, isso coloca em evidência essas duas realidades paralelas. Temos a soberania divina, no capítulo 9, e a responsabilidade humana, no capítulo 10.

Romanos 9 começa com a afirmação dos privilégios que os israelitas tinham:

4 Pertence-lhes a adoção e também a glória, as alianças, a legislação, o culto e as promessas;
5 deles são os patriarcas, e também deles descende o Cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito para todo o sempre. Amém!

E no verso 6, Paulo diz: “E não pensemos que a palavra de Deus haja falhado, porque nem todos os de Israel são, de fato, israelitas.” O que? Nem todo Israel é Israel? Deus faz escolhas. Veja a sequência:

Romanos 9
13 Como está escrito: Amei Jacó, porém me aborreci de Esaú.
14 Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum!
15 Pois ele diz a Moisés: “Terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia e terei compaixão de quem eu tiver compaixão.”
16 Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia.
17 Porque a Escritura diz a Faraó: Para isto mesmo te levantei, para mostrar em ti o meu poder e para que o meu nome seja anunciado por toda a terra.
18 Logo, tem ele misericórdia de quem quer e também endurece a quem lhe apraz.

Humanamente, isso não parece justo. Como Deus pôde fazer essa determinação antes de eles nascerem? Como pôde escolher Jacó e não Esaú? Como pôde fazer isso? Isso não parece justo… E aí surge a questão natural: se é Deus quem decide quem vai crer, e ninguém consegue resistir à Sua soberana vontade, por que o homem incrédulo é responsabilizado por não crer? Se Ele faz todas as escolhas, como Ele pode responsabilizar um incrédulo por rejeitá-Lo? E Paulo trata dessa questão a partir do verso 19:

Romanos 9
19 Mas você vai me dizer: “Por que Deus ainda se queixa? Pois quem pode resistir à sua vontade?”
20 Mas quem é você, caro amigo, para discutir com Deus? Será que o objeto pode perguntar a quem o fez: “Por que você me fez assim?”
21 Será que o oleiro não tem direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro para desonra?
22 Que diremos, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos de ira, preparados para a destruição,
23 a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que de antemão preparou para glória?
24 Estes vasos somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios,

No verso 19, Paulo responde a uma queixa humana muito comum contra a escolha soberana de Deus. Muitos bradam: “Isso não é justo!” Qual é a resposta de Deus? Simplesmente, “Cale a boca, você não tem o direito de perguntar isso!”. É o que o texto de Romanos diz, em outras palavras.

E então, em outras palavras, Paulo está dizendo: “Quem é você, homem, para questionar o Criador? Como pode o barro reclamar do oleiro? O oleiro faz vasos de honra e vasos de desonra, mas Ele tem esse direito. Deus tem o direito de exibir sua glória e misericórdia a quem Ele quiser, bem como demonstrar sua ira a quem ele quiser. Deus é glorificado em Sua ira e Ele é glorificado em Sua graça.” E nos versos 25 e 26, diz:

25 Como também diz em Oseias: “Chamarei de ‘meu povo’ ao que não era meu povo; e de ‘amada’ à que não era amada.
26 E no lugar em que lhes foi dito: ‘Vocês não são o meu povo’, ali mesmo serão chamados ‘filhos do Deus vivo’.”

Ou seja: “Eu vou tomar essa decisão”. Essa é uma decisão soberana feita por Deus. Essa é a seção mais forte do Novo Testamento sobre a soberania de Deus na escolha de pessoas para a salvação. Como reagimos a essas duas verdades? Bem, nós temos um mandato:

Romanos 10
14 Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue?
15 E como pregarão, se não forem enviados? como está escrito: Quão formosos os pés dos que anunciam o evangelho de paz; dos que trazem alegres novas de boas coisas.
16 Mas nem todos têm obedecido ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem creu na nossa pregação?
17 De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus.

Então, qual é a nossa responsabilidade? Filosofar para tentar encontrar uma solução para essas duas verdades paralelas? Achar uma fórmula para tentar encontrar uma maneira de resolver o aparente paradoxo? Tentar catapultar-nos ao nível da mente do Deus infinito? Não. Nossa responsabilidade é reconhecer isso. Foi-nos dado um mandamento e uma comissão para ir a todo o mundo e pregar o evangelho a toda criatura. Somos responsáveis ​​pela proclamação da mensagem de salvação em todo o mundo. E diante dessas duas verdades paralelas e a comissão que o Senhor nos dá de sermos mensageiros da Palavra, Paulo glorifica ao Senhor dizendo:

Romanos 11
33 Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos!
34 Por que quem compreendeu a mente do Senhor? ou quem foi seu conselheiro?
35 Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado?
36 Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém.

Não há como você conciliar a soberania de Deus com a responsabilidade humana, pois essas duas verdades se harmonizam na mente de Deus. Você nunca as entenderá nesta vida. Elas são insondáveis. Há muitas pessoas que gostariam de dar um conselho a Deus, com a ideia de harmonizá-las. Mas, o problema está no versículo 34: “Quem conheceu a mente do Senhor e quem se tornou Seu conselheiro?”. Você acha que Deus está esperando que você Lhe dê algumas dicas? Quem você pensa que é? Você não conhece a mente do Senhor. Você nem pode chegar perto de conhecer.

E, conforme diz o verso 35, Deus não lhe deve nenhuma informação. Ninguém deu nada a Ele primeiro para ser recompensado. Tudo é Dele, por Ele e para Ele. Nunca tente compreender aquilo que só Deus pode compreender. A fé descansa na soberania de Deus e na Sua graça. Ele age na Sua soberania e nos faz entender bem a nossa responsabilidade. Vamos orar.

Pai, obrigado pelo tempo que passamos esta manhã, pois nos ocupamos com essas verdades – alguns de nós há muito tempo – e talvez não entendamos o quão maravilhosas essas realidades são. A própria realidade que elas estão além de nós fala de seu caráter divino. Nós Te honramos, adoramos, amamos, exaltamos, elevamos, e mesmo em todos os nossos esforços para fazer isso, não podemos compreender-Te como o Senhor realmente é. Ansiamos pelo dia no céu, em que nosso conhecimento será aperfeiçoado, nosso entendimento será esclarecido e seremos capazes de glorificar-Te perfeitamente. Desde já, damos a Ti a honra, e dizemos, como Paulo, que pelo Senhor, do Senhor e para o Senhor são todas as coisas, para que Tua seja a glória para sempre. Amém.


Esta é uma série de sermões traduzidos de John MacArthur sobre todo o Evangelho de João.
Clique aqui e acesse o índice ordenado por capítulo, com links para leitura. 


Este texto é uma síntese do sermão “God’s Sovereignty and Man’s Responsibility”, proferido por John MacArthur em 17/02/2013.

Você pode ouvi-lo integralmente (em inglês) no link abaixo:

http://www.gty.org/resources/sermons/43-15/twin-truths-gods-sovereignty-and-mans-responsibility

Tradução e síntese feitas pelo Site Rei Eterno


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